“Guia-me mansamente às águas tranquilas, refrigera a minha alma.” A descrição do Bom Pastor no Salmo 23 está entre os versos mais memoráveis da Bíblia Sagrada. O poeta se coloca no lugar da ovelha, sendo guiada e protegida por um pastor que transmite um profundo sentimento de paz.

Jesus, ao se apresentar como “o Bom Pastor”, em João 10, diz que o é porque dá a vida por suas ovelhas. Ele conhece seu rebanho, diz que ele é amplo, vai além do que imaginamos, e que voluntariamente se entrega, por amor, para salvá-lo.

Nesse mesmo capítulo, Jesus fala do assalariado que foge quando o lobo ataca. O interesse desse mau pastor é puramente econômico; trata-se de uma relação de trabalho, sem verdadeiro compromisso com a proteção e o bem-estar das ovelhas. Quando salvar o rebanho implica risco e exige sacrifício, ele o abandona, pois seu compromisso é apenas consigo mesmo, não com os outros.

“Pastor” é o título atribuído aos líderes religiosos evangélicos. Está tão enraizado em nossa cultura que, ao ouvirmos que alguém é pastor, dificilmente imaginamos um homem do campo cuidando de animais. Provavelmente pensamos em alguém de terno, gravata e, infelizmente, nem sempre confiável.

Não tenho nada contra pastores, tenho até amigos que são, e são bons pastores: zelosos, tementes, humildes e sinceros. O problema é que eles pagam o preço da má fama por carregarem o mesmo título de uma crescente corja de maus pastores; gente gananciosa, violenta e odiosa, que há décadas ocupa mais as páginas policiais e de fofoca do que se dispõe a dar a vida pelas ovelhas.

Mais recentemente, “pastor” virou título para alguns odiosos lobistas políticos. Não são poucos, mas um nome se destaca: Silas Malafaia. Sua ascensão, de pastor auxiliar de uma igreja pentecostal a um dos milionários da fé e grandes articuladores políticos do país, já é bem documentada.

A recente publicação de conversas de Malafaia com seus comparsas políticos expõe o que há tempos já era evidente: o “pastor” que ele carrega no título não tem qualquer relação com o termo usado pelo salmista, nem com o usado por Jesus.

Texto por Hernani Medola.