Primeiramente é bom esclarecer que eu acredito em fantasmas. Não aqueles fantasmas tipo espírito desencarnado, como o Gasparzinho (pra quem é mais velho), mas coisas que deviam ter morrido há muito tempo, mas que se mantém apenas inativas, a espera para voltar à tona.
Por exemplo, o famigerado “fantasma da inflação”, o medo de retornarmos àquele período em que nosso dinheiro perdia valor tão rápido que o salário de uma família em uma semana podia ser suficiente, mas talvez não fosse suficiente na semana seguinte.
Em nossa história recente foram várias as ideias que deveriam ter morrido, mas se tornaram fantasmas.
Ao terminar a Segunda Guerra Mundial o mundo talvez tenha acreditado que o fascismo havia sido superado para sempre como ideologia política. Ao final da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética o comunismo pareceu superado, mas também não morreu, se tornou um fantasma.
O problema é que esses sistemas políticos não foram redimidos, mas superados por um outro, o liberalismo. E ele foi vendido à humanidade como a solução para todos os problemas. Liberdade e igualdade que permitiria crescimento e possibilidades iguais para todos, sem distinção. Mas ele prometeu o que não podia cumprir, e se você não percebe isso talvez seja porque está no lado privilegiado que se beneficia do sofrimento de uma parcela muito grande da população mundial.
Em um mundo de recursos finitos não é nem lógico acreditar que todos vão poder crescer infinitamente. E quando as pessoas percebem que foram enganadas pelo sistema, tendem a buscar uma alternativa, seja ela qual for. E é aí que está a chave do problema: se o importante é crescer, se minha vida e meu conforto é o mais importante, não me importa quem terá que pagar o preço para eu viver “o sonho”. Se a democracia liberal não dá conta, que seja o fascismo, pode ser o comunismo ou qualquer outro sistema que me beneficie, tanto faz.
E como se legitima esse sacrifício de vidas humanas em nome da economia, da segurança e do progresso? Por meio da religião. Então seja transformando o próprio sistema em uma religião ou então capturando os fiéis de uma outra religião já estabelecida, é necessária uma fé transcendente para encarar a barbárie com a naturalidade de um sacrifício a um deus.
Já participei de intensas discussões sobre a extensão política do Evangelho de Jesus, e é evidente que Seus ensinamentos, por se aplicarem às relações humanas, possuem um importante aspecto político. Mas a mensagem de Jesus em momento algum se volta ao estabelecimento de um poder ou governo terreno, uma nova forma de estrutura governamental. “O meu Reino não é deste mundo” (João 18:36). A decepção dos discípulos no caminho de Emaús era essa, eles acharam que Jesus seria o líder que teria a libertação política de Israel, mas Ele não era. A revolução do segundo Adão não era a mesma gerada pelo primeiro, porque se o primeiro Adão, sedento por poderoso igual a Deus gerou apenas morte, abrir mão de todo o poder para ser igual a Cristo nos leva à Vida.
De forma que Cristo é a superação das religiões. Ele é o sacrifício definitivo (Hebreus 10:12-14) e partir dEle sacrifícios não são mais necessários, não são mais aceitos e devem ser combatidos. Cada vida e toda vida importa e deve ser preservada a qualquer custo. Seja o custo do seu conforto, do seu privilégio e da sua razão. Seja qual for a ideologia que você decidiu seguir, se por meio dela você admite sacrifício de vidas humanas, seja através da morte direta ou da violação de direitos, da limitação de recursos ou da desumanização, você entrou em um esquema idólatra que rejeita o sacrifício definitivo de Cristo por todos nós. As bandeiras e ideologias que tem nos dividido tem feito o trabalho diabólico de ocupar o lugar de Cristo. Tem ferido, afastado e matado pessoas em nome de Deus.
C. S. Lewis escreveu “O Cristianismo é a história de como o rei por direito desembarcou disfarçado em sua terra e nos chama a tomar parte numa grande campanha de sabotagem”.
Nosso reino não é daqui, nosso Rei ressuscitou e redimiu consigo todas as coisas para que tudo e todos tenham espaço nesse reino. Não vamos aceitar sacrifícios, não vamos aplaudir a barbarie, não vamos nos satisfazer na desigualdade. Vamos rejeitar os velhos fantasmas desse mundo, porque nosso Rei não é um espírito desencarnado, as marcas em seus pés e mãos mostram que ele é um corpo que estava morto, mas ressuscitou. Ele nos chamou para a vida, e para a vida viveremos, lutaremos e morreremos.
Texto por Hernani Medola.