A missão da igreja não está contida num âmbito político, embora sua atuação tenha impacto na sociedade. Mas a questão não é tanto o efeito da ação da Igreja na sociedade, mas sim o ponto de partida da sua missão.
Se afirmarmos que a missão da Igreja é criar uma comunidade separada do resto do mundo, com suas leis e costumes próprios, estaremos negando o caráter de sal e luz que Jesus disse que seus discípulos seriam para o mundo. Ora, como seremos sal e luz para o mundo se estivermos fechados num gueto com uma linguagem própria, roupas próprias ou músicas próprias? Como iremos interagir com o mundo exterior e manifestar a graça de Deus? Como as pessoas entenderão nossa mensagem se não falamos a mesma língua e nem estivermos na mesma cultura?
Por outro lado, se afirmarmos que a missão da Igreja é transformar o mundo numa grande comunidade cristã com leis cristãs, costumes cristãos e música cristã, estaremos negando a ação transformadora do Espírito Santo na vida das pessoas. Quando a Igreja assume para si a missão de transformar o mundo ela usará meios humanos de fazer isso. Estes meios humanos são a implantação dos mandamentos bíblicos diretamente na lei da sociedade. O perigo deste tipo de abordagem é querer cristianizar o mundo, isto é, tornar as pessoas cristãs à base da força da lei. Ao pensar dessa maneira a Igreja se esquece de que quem transforma é o Espírito Santo.
Logo, percebemos que a Igreja se encontra no meio de uma grande tensão, entre não fechar-se em si mesma e não dominar o mundo pela força. Esta tensão se manifesta também quando cristãos passam a apoiar tal ou tal partido, e mesmo tal ou tal regime político dizendo apoiarem-se na Bíblia. Muitos dizem que a esquerda representa os valores bíblicos por causa das questões sociais, outros dizem que a direita representa os valores bíblicos por causa da liberdade.
O problema é que a esquerda jamais conseguirá por em prática os valores de justiça social a partir dos fundamentos biblicos, pois o homem é essencialmente egoísta, e jamais conseguirá por si mesmo, ou por meio de leis políticas, dividir seus bens ou praticar a justiça como a Biblia manda. Nem a direita conseguirá praticar os ideais de liberdade, pois continuarão escravos da meritocracia. Além disso, a verdadeira liberdade vem de Jesus, não das leis dos homens.
Muitos cristãos defendem o conceito do “mal menor” em relação à escolha partidária e do regime político. Uns dizem que o mal menor é que os pobres sejam assistidos mesmo que haja corrupção. Outros dizem que o mal menor é que hajam pobres, mas de forma alguma leis contra os “valores cristãos”. Entretanto não vemos na Bíblia o conceito de escolha de mal menor como uma tarefa cristã, ou como um mandamento bíblico. Muito menos a tarefa de defender os valores cristãos
O que vemos na Bíblia é a tensão da Igreja vivendo numa situação precária de perseguição, vivendo numa situação de oposição aos governos do mundo, isto é, às suas leis e sistema de valores. Ao menos essa é a maneira que o apóstolo Pedro entendeu a missão da Igreja (1 Pe. 2:11-12). Aqui Pedro não diz que os cristãos deveriam impor suas leis ao mundo, muito menos eles deveriam se fechar num gueto para se livrar da corrupção do mundo. Aqui o desafio para a Igreja é apenas testemunhar para a glória de Deus. A igreja não deve fazer mais nada, apenas testemunhar. Esse é o seu papel no mundo. Não é se esconder num gueto, muito menos impor seus ideais e costumes.
Sejam quais forem as leis que os governos promulguem, para a direita ou para a esquerda, a Igreja viverá em constante tensão. A igreja não é chamada para defender valores cristãos, a igreja não é chamada para tornar o mundo um lugar bonitinho com tudo justo e perfeito. A igreja é chamada para testemunhar.
O testemunho da igreja não é baseado em regras inflexíveis. Jesus deixa bem claro a ética do testemunho cristão em Mateus 7:12 e Paulo diz que nossa vida cristã é uma questão de consciência, de acordo com 1 Co. Capítulos 8 a 10. Portanto, a tentativa de engessar a maneira do testemunho que a Igreja realiza, está equivocada. Está equivocada porque o testemunho cristão é realizado pelo poder do Espírito Santo e não por regras de comportamento, moral e ético.
Tudo gira em torno do papel do Espírito Santo na Igreja e no mundo. É ele quem nos dá o poder para testemunhar e é ele quem transforma o coração. Portanto, qualquer tentativa de dogmatizar o testemunho cristão ou mesmo a tentativa de impor a religião cristã no mundo é a tentativa de negar sua ação transformadora no mundo e sua ação impulsionadora na vida de cada cristão.
Ao crermos na ação transformadora do Espírito Santo estaremos livres de um evangelho que busca a produtividade, isto é, a tentativa de encher nossos templos. O enchimento em todos os aspectos vem do Espírito Santo, não dos nossos esforços. E, da mesma maneira, ao crermos na ação do Espírito Santo na transformação das consciências, estaremos livres de um evangelho que escraviza e põe cargas pesadas na vida dos membros das igrejas.
A grande questão, no fim das contas, é o poder que o ser humano gosta de possuir. Existe, de um lado, o poder de transformar e controlar a sociedade por meio da força usando a Bíblia como desculpa. De outro, o poder de controlar a vida de cada cristão por meio da força, também usando a Bíblia como desculpa.
O verdadeiro evangelho é vivido em liberdade. Na liberdade do Espírito Santo. Ele sim transforma a consciência dos cristãos dando-lhes o poder do testemunho. O cristão ao testemunhar pela ação do Espírito, não por nenhum dogma, abre espaço para a transformação que somente o Espírito Santo pode realizar em nossa sociedade. O poder do testemunho pelo Espírito Santo virá da estudo constante e fiel da Bíblia e também por meio das orações do cristão que sabe que nada vem de si mesmo, mas do Senhor.
Portanto, não é a direita, nem a esquerda, nem o capitalismo, nem o socialismo que transformarão a sociedade. Aliás, como cristãos, somos desafiados a viver em ambos os sistemas sob tensão, pois não somos nem de um nem do outro, pois a Bíblia afirma que não é por força, nem poder, mas pelo Espírito do Senhor que o mundo será transformado (Zc. 4:6).