Do Suicídio, ou, como o mundo mata e não mostra pau

Ela se jogou da janela

Do quinto andar

Nada é fácil de entender…

 Até mesmo um discípulo de Rousseau tem dificuldade para entender o que se passa no fundo da alma de quem escolhe pular da janela quando o fogo que consome o seu interior ameaça sua vida por inteiro.

 Há uns tempos zapeando pelo Facebook vi um link de um jornal da cidade onde fui missionário. Era sobre um rapaz que cometera suicídio. Não sou muito fã das páginas policiais, normalmente preferiria não ler a história para evitar ser confrontado com aquele palavreado sem vida, sem cor, e sem amor destas páginas do jornal. Mas como o nome da pessoa parecia tão familiar para mim, não resisti e cliquei no link. A foto que abriu revelou o meu temor, era um jovem que eu conhecera na Igreja.

 Certa noite estávamos na cozinha da Igreja, nem lembro se preparando algo pra comer, ou só por lá mesmo pra conversar. Um dos participantes do grupo chegou junto com um amigo. Apresentou o cara para nós. Ao mesmo tempo que ele parecia tímido, ele transbordava de coisas para falar. Parecia um vulcão em erupção, histórias de um namoro frustrado, de uma conversão, de um depressão profunda, se misturavam com uma aparente esperança de dias melhores, uma resolução em busca outras coisas para si. Naquela noite ele levou pra casa alguns livros devocionais e uma Bíblia. Voltou algumas vezes para conversar. Sumiu outras tantas. Assim como vinha, também ia, sem muita explicação ou razão. Até que descobri pelo Facebook que ele tirara sua própria vida.

 Não foi a primeira vez que a senda de um suicida cruza a minha história. Bem cedo fui confrontado com uma jovem senhora, mãe de quatro filhos que se suicidara tomando “Roundup”, o famoso glifosato usado no plantio de soja transgênica. Seu marido era agricultor, semanas antes sua mãe havia dado cabo à sua própria vida. Agora a filha, e também mãe e esposa, dá fim a sua usando o “mata-tudo”, como era conhecido o veneno entre os agricultores do oeste do Paraná.

 Também o pai de um amigo tirou sua vida, pelo que ouvi, estava angustiado e deprimido por questões financeiras. Outra pessoa encontrou a morte por enforcamento como meio para se livrar de tormentos relacionais. Um jovem aqui na Alemanha, filho de um pastor, perdeu sua esperança pela vida e despediu-se do mundo sem muitas explicações.

Há também as história de jornal, da jovem que se suicidou após ter um vídeo onde ela faz sexo com o namorado (?!?) divulgado na internet. Histórias como esta última tem acontecido cada vez mais.

 Será mesmo que o problema do suicídio se resume à uma vontade louca de dar fim a sim mesmo, como se isto fosse assim tão simples? Seria tão somente uma falta de amor próprio, ou como alguns afirmam, falta de coragem de enfrentar a vida de frente? Eu não teria coragem de amarrar uma corda no meu pescoço e pular da soleira da janela. Também não teria coragem de tomar veneno. Não acredito que seja covardia, a razão pela qual alguém comete suicídio.

 No mundo coisificado em que vivemos me parece que o suicídio é a saída escolhida por aqueles a quem o mundo já matou: socialmente, psicologicamente, espiritualmente, moralmente, financeiramente. Nossa sociedade oferece o trilho de trem, a corda, o veneno, o revólver, a ponte através da qual o indivíduo coisificado e moribundo encontra seu destino final.

 Quem estabelece os padrões daquilo que é ser feliz e realizado? Quem estabelece a moral que condena alguém a sua própria morte? Quem fragiliza, humilha e escraviza outros ao ponto de julgarem a morte melhor que a vida?

 Se buscarmos a resposta tão somente dentro de nós mesmos, encontraremos meia resposta. É bem certo que somos falhos, pecadores, ingratos, idolatras, falsos. É bem certo também que nos associamos com outros iguais a nós e formamos uma quadrilha que solapa a tudo e a todos.

 Para a sociedade de consumo, bem sucedido é o que tem dinheiro, bens e os mostra gastando, comprando. Acabou-se o dinheiro? Acaba-se a vida e os “amigos” se vão. Na sociedade do bem-estar, feliz é aquele que tem corpo sarado, se veste na moda, frequenta os restaurantes gourmet, ouve música “de qualidade”, o que foge do padrão não é aceito, deve se enquadrar em outro grupo, ou em nenhum grupo, se tornando assim pária da sociedade classista. Na sociedade da autoafirmação, saudável é quem está sempre pra cima, produzindo, se divertindo, curtindo. Quando você não está bem, não há quem se ponha ao seu lado, no mais lhe oferecerão um  “drink” pra esquecer o problema. Na sociedade religiosa, espiritual é o que fala lá na frente, o que ora bonito, o que senta nos primeiros bancos. Aquele que não é chamado pra dirigir nada, o que não tem vez, nem voz, o que só serve pra esquentar banco é carnal, pecador, “ele não serve no Reino, então não serve pro Reino”, dizem alguns. Na sociedade da moralidade, parece tudo lícito, homem com homem, mulher com mulher, tudo pode, nada é proibido. Até que uma foto sua cai na internet e “créu”, a sociedade do progresso cientifico e modernosa se transforma em uma fera medieval que consome tudo com fogo infernal: “pecadora! Bruxa!”, “fogo nela, fez por merecer”, “quem mandou procurar?”, são os gritos da turba enfurecida à condenar a vitima à morte, e libertar o algoz como um santo iludido pelas paixões da carne.

 A Igreja e a sociedade não souberam ouvir o clamor daquele jovem indeciso, daquela senhora agricultora, daquele senhor endividado, daquela outra pessoa com problemas relacionais, ou da adolescente desesperada! O suicida manda recado, isto aprendi na teoria, na sala de aula, e vi que na prática funciona assim mesmo: um recado no twitter, uma promessa de suicídio aos amigos do bar, um desabafo para a melhor amiga.

 Como respondemos: vira essa boca pra lá! “Cão que ladra, não morde”; “Quem fala, não faz”. Tudo mentira. Deveríamos ouvir estas promessas de suicídio como um berro, um grito desesperado, um pedido urgente de socorro, de quem não encontra mais razão pra viver e luta consigo mesmo e com tudo a sua volta.

 Talvez o suicida esteja determinado de mais para dar ouvidos à nós, e queira assim mesmo seguir adiante com seu plano. As vezes não vamos mesmo compreender suas razões. Porém isto não nos isenta da responsabilidade de continuar a música

 É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã

Porque se você parar para pensar, na verdade não há.

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