Olá todo mundo, meu nome é Alan Moore e eu ganho a vida inventando histórias sobre coisas que nunca aconteceram de verdade.
Quando o assunto são minhas crenças espirituais, talvez seja por isso que eu venere um deus-cobra de cabeça humana do século 2 chamado Glycon, que foi desmascarado como sendo um boneco de ventríloquo há quase dois mil anos. Famoso por todo o Império Romano, Glycon era a criação de um empreendedor conhecido como Alexandre, o Falso Profeta, que é um péssimo nome para os negócios.
O corpo do boneco consistia de jibóia domada, enquanto sua cabeça artificial tinha olhos com pálpebras pesadas e vasta cabeleira loira. Em muitos aspectos, Glycon parecia-se um pouco com Paris Hilton, porém mais simpático e biologicamente mais crível.
Deixando o visual de lado, me interessa um deus-cobra puramente como símbolo, na realidade um dos mais antigos símbolos da humanidade, que pode representar sabedoria, cura ou, de acordo com o antropólogo Jeremy Narby, a própria espiral serpenteante de nosso DNA.
Mas também me interessa um deus que é visivelmente um boneco de ventríloquo. Afinal, é assim que usamos a maioria de nossas divindades. Podemos olhar nos muitos livros sagrados e, ao escolher uma passagem ambígua ou determinada interpretação; podemos fazer que nossos deuses justifiquem nossas próprias agendas atuais. Podemos fazer com que eles falem o que nós quisermos que eles falem.
A grande vantagem em adorar um fantoche de verdade é que, obviamente, se as coisas saem do controle, nós sempre podemos colocá-los de volta na caixa. E você sabe, não importa que eles queiram ou não voltar para a caixa, eles têm que voltar para a caixa.
Em todo o caso, muitíssimo obrigado por ouvir a mim e Glycon, um feliz ano novo a todos vocês!
por Alan Moore
Peguei no Trabalho Sujo, a tradução é de Raquel Botelho que foi originalmente publicado na BBC com transcrição de Forbidden Planet.
Kyrie eleison
A imagem que ilustra esse post é do ilustrador Johnathan Edwards.