
“Eu odeio e desprezo as suas festas religiosas; não suporto as suas assembleias solenes. Em vez disso, corra a retidão como um rio, e a justiça, como um ribeiro perene!” (Amós 5:21e24)
Vivemos em um país majoritariamente cristão, cada vez mais evangélico e cada vez menos laico. Eventos cívicos se parecem cada vez mais com celebrações religiosas, e vice-versa. A boa notícia do “evangelho dos evangélicos” já não soa tão boa quanto antes, especialmente para aqueles que verdadeiramente necessitam do Evangelho de Jesus.
Nossos templos estão cada vez maiores; nossas comunidades, mais impessoais; nosso poder, mais sedutor; e nossas festas — ah, que belas festas são! E, como no mundo do deus Mercado tudo se transforma em estratégia de marketing, cristianizamos o que é “profano”. Passamos o verniz da religião sobre todo tipo de festa, a fim de aplacar consciências e manter nosso nicho engajado.
Mas, para o Deus a quem Jesus chama de Pai, sagrada é a vida humana. Festas sagradas, dias sagrados, lugares sagrados — tudo isso é ninharia se comparado à sacralidade da vida. Profanar o sagrado não é realizar ou deixar de realizar uma festa, comer ou não determinada comida, mas violar a vida.
Enquanto nos perdemos em preocupações sazonais inúteis (como decidir se devemos ou não participar do Dia das Bruxas, por exemplo), uma ação violenta deixou novamente um rastro de sangue e morte no Rio de Janeiro. Muito mais frequente que nossas disputas sobre o que celebrar ou não, a violência social, econômica, política e religiosa profana diariamente a vida de milhares de pessoas, negando-lhes o direito à vida e à dignidade em nome do deus desta era.
E, em meio às manifestações de lamento e indignação diante das mortes que escancaram a desgraça cotidiana de tantos, surgem comentários que comemoram a violência, justificam assassinatos e convidam os que choram ou se indignam a “levar esses bandidos para casa”. É a “gente de bem”, religiosa, que não pula carnaval, não se fantasia em novembro. Que frequenta os espaços sagrados todos os domingos, mas que celebra a festa profana que mata e humilha o corpo de Cristo todos os dias.
Texto por Hernani Medola.
