Os Dois Decretos | Ampulheta 49

Meu nome é Giancarlo Marx e hoje eu vou falar sobre o tema: Os dois decretos.

Imagem de fundo com uma ampulheta em preto e branco. Na frente o nome do podcast (Ampulheta) escrito em laranja e cercado por um quadro também em laranja. No canto superior esquerdo, está escrito "49", referente ao número do episódio. No canto inferior direito está escrito o título do episódio: Os Dois Decretos. Abaixo do título do episódio está escrito o nome do autor: Giancarlo Marx.

“Eu tenho um problema com a Bíblia. Este é o meu problema…

Eu sou um antigo egípcio. Sou um babilônio confortável. Sou um romano em seu vilarejo.

Este é o meu problema. Veja, eu estou tentando ler a Bíblia a todo custo, mas não sou um escravo hebreu sofrendo no Egito. Não sou um judeu conquistado deportado para a Babilônia. Não sou um judeu do primeiro século vivendo sob a ocupação romana.

Eu sou um cidadão de uma superpotência. Eu nasci entre os conquistadores. Eu moro no império. Mas eu quero ler a Bíblia e acho que ela está falando comigo. Isto é um problema.

Uma das coisas mais marcantes da Bíblia é que nela encontramos a narrativa contada a partir da perspectiva dos pobres, dos oprimidos, dos escravos, dos conquistados, dos ocupados, dos derrotados. Isso é o que a torna profética. Sabemos que a história é escrita pelos vencedores. Isso é verdade – exceto no caso da Bíblia, é o oposto! Esta é a genialidade subversiva dos profetas hebreus. Eles escreveram de uma perspectiva de baixo para cima.”

Este trecho abre o artigo Meu problema com a Bíblia escrito em 2014 pelo pastor americano Brian Zahnd, que recentemente foi citado em uma pregação do pastor Ed René Kivitz, e me colocou pra pensar.

Há um discurso triunfalista quase hegemônico entre aqueles que se apresentam como cristãos, ao ponto de muitas vezes eu ser questionado: Gian, mas você é crente mesmo? Por que não é como eles? Por que você não fica tentando me obrigar a seguir sua fé? Existem mais crentes desse tipo? E outras perguntas parecidas.

Semana passada eu ouvi uma dessas perguntas de um colega de trabalho. Ele tentava compreender por que é que os crentes querem obrigar os não-crentes a se comportar como crentes, se nem eles mesmos se comportavam de modo tão “crente” assim. Identificando que eu não era um desses “crentes” mas o que ele definiu como um “tipo diferente de crente”, ele achou que eu teria a resposta.

Eu não tinha.

Mas a pergunta dele me fez lembrar do texto do Brian Zahnd, citado pelo Ed umas semanas atrás, e de uma daquelas histórias bíblicas que me acompanham desde a minha mais tenra infância. A história do confronto de três amigos judeus exilados na Babilônia diante do rei Nabucodonosor.

O capítulo 3 do profeta Daniel relata que um belo dia Nabucodonosor, rei da Babilônia, ergueu uma estátua de ouro de 27 metros de altura e obrigou todos de seu império a adorá-la, sempre que ouvissem música. Isso incluía todos os povos de outras culturas e religiões que estavam debaixo de sua autoridade.

Esses três amigos, que receberam os nomes de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego se recusaram a obedecer o rei por uma objeção de consciência. Para os judeus esta prática infringia pelo menos os dois primeiros dos 10 mandamentos. E por causa disso foram lançados numa fornalha aquecida 7 vezes mais que o habitual (Nabucodonosor estava mesmo irritado com aquele disparate).

Acontece que os três homens não só sobreviveram, mas caminhavam no meio do fogo como se estivessem passeando tranquilamente no parque. O pior é que entre eles um quarto homem apareceu e, nas palavras do próprio rei da Babilônia este homem era “semelhante ao Filho de Deus”.

Ou seja, o próprio Jesus estava com eles na fornalha, caminhando entre o fogo, sem sofrerem dano algum.

É claro que isso impactou muito o rei. Ele os chamou de volta para fora, arrependeu-se do mal que h  avia feito a eles e, por fim, lançou um novo decreto, desta vez em favor dos três estrangeiros.

Que bênção, né? Parece que o rei da Babilônia se converteu! Glória a Deus! Feliz a nação cujo Deus é o Senhor!!!

Calma. Vamos comparar as redações dos 2 decretos, antes e depois da experiência na fornalha:

Então o arauto gritou: “Povos de todas as raças, nações e línguas, ouçam a ordem do rei! Quando ouvirem o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do pífaro e de outros instrumentos musicais, prostrem-se no chão para adorar a estátua de ouro levantada pelo rei Nabucodonosor. Quem não obedecer será lançado de imediato na fornalha ardente!” – Daniel 3:4-6

“Portanto, faço este decreto: Se qualquer pessoa, não importando sua raça, nação ou língua, disser uma palavra contra o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, ela será despedaçada, e sua casa, transformada num monte de escombros. Não há outro deus capaz de livrar dessa maneira!” – Daniel 3:29

E aí? O que te parece?

Se você fosse um exilado na Babilônia de algum outro povo ou religião, faria diferença entre um decreto e outro? Ser queimado na fornalha ou ser despedaçado junto com a sua casa, qual lhe parece mais justo?

Uma lógica de dominação diabólica guia ambos os decretos.

Tanto que no capítulo seguinte o livro conta que Nabucodonosor teve um sonho e Daniel foi chamado para interpretá-lo. Então o profeta avisou que aquele sonho previa que um juízo de Deus que viria sobre o rei, que ele perderia a sanidade e viveria pastando com os animais até que ele compreendesse que sua autoridade vinha do próprio Deus, e não de seus méritos.

Ao fim da interpretação do sonho, Daniel deu um conselho (afinal, ele era pago pra isso):

“Ó rei Nabucodonosor, aceite meu conselho. Pare de pecar e faça o que é certo. Deixe seus pecados para trás e tenha compaixão dos pobres. Quem sabe, então, o rei continuará a prosperar.” – Daniel 4:27

Pois ele não ouviu o conselho de Daniel e tudo aconteceu conforme o profeta previu mesmo.

Acontece que Nabucodonosor professou a fé no Deus de Daniel e seus amigos, mas na prática permaneceu com um coração contaminado pelo poder e a marca disso era que o rei não praticava a equidade, ou seja, tinha compaixão dos pobres.

No capítulo 7 de Mateus, Jesus afirma que a árvore se conhece pelos frutos, e que muitos daqueles que confessam o seu Senhorio chegarão no juízo final e darão  de cara com a porta fechada.

“Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?

E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade.”Mateus 7:22,23

A iniquidade é o oposto da equidade. É não levar em conta as fragilidades das pessoas e, ao invés disso, explorá-las para seu próprio proveito.

Quando alguém confessa a Jesus, especialmente alguém poderoso ou um líder político como Nabucodonosor, há uma forma bastante eficaz de avaliar a autenticidade desta confissão. Basta olhar como ele trata os mais vulneráveis. É com equidade ou com iniquidade que ele lida com as minorias? Os pobres. Os derrotados. Os doentes. Os refugiados. Os excluídos. Os perseguidos. Os marginalizados.

Lembre-se, foram estes que escreveram esta Bíblia que você diz crer.

Um forte abraço e até o próximo Ampulheta.

PARTICIPANTES:
– Giancarlo Marx

COISAS ÚTEIS:
– Duração: 09m47s
– Feed do Crentassos: Feed, RSS, Android e iTunes: crentassos.com.br/blog/tag/podcast/feed Para assinar no iTunes, clique na aba “Avançado”, e “Assinar Podcast”. Cole o endereço e confirme. Assim você recebe automaticamente os novos episódios.
Todos os “Ampulheta”

CITADOS NO PROGRAMA:
Artigo “Meu Problema com a Bíblia” de Brian Zahnd
Daniel 3
Daniel 3:4-6
Daniel 3:29
Mateus 7
Mateus 7:22-23

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