“Então Mordecai pediu que respondessem a Ester: ‘Não pense que, por estar no palácio real, você será a única, entre todos os judeus, que conseguira escapar. Porque, se você ficar calada agora, de outro lugar virá socorro e livramento para os judeus, mas você e a casa de seu pai perecerão. Mas quem sabe se não foi para uma conjuntura como esta que você foi elevada à condição de rainha?”
O livro de Ester não é um dos costumeiramente usados em pregações nas igrejas que já passei. É uma história contada nas aulas de Escola Bíblica Dominical às crianças, como exemplo de uma mulher corajosa, que foi impelida por Deus a agir em favor de seu povo. O curioso de se ler a história toda, é notar que num primeiro momento, Ester não queria agir por medo de perder a sua vida, pois aparecer diante do rei da Pérsia sem ser chamado era crime.
Os versículos acima relatam um trecho da conversa entre Ester e seu pai adotivo, Mordecai, que tomou conhecimento do plano de assassinar todos os judeus residentes na Pérsia e se colocou de luto por esta situação. Ao trocar mensagens com Ester, ele não apenas lhe conta o plano como pede que ela, rainha deste império, vá ao rei interceder pelo seu povo, mas Ester teme por sua vida.
No atual momento que vivemos no mundo, e principalmente no Brasil, é notável se deparar com as palavras de Mordecai. Ele confia em Deus e sabe que haverá algum livramento para os judeus, mas chama Ester à realidade da situação, pois ela também será morta quando souberem sua origem; e a chama também à sua responsabilidade como rainha, afinal, ao crermos na providência divina, precisamos reconhecer quando é hora de agir pelos menos favorecidos ou em situação de vulnerabilidade.
O triste destes versículos é o paralelo que podemos fazer com a igreja evangélica brasileira no momento que vivemos. Muitos líderes evangélicos se veem, neste momento, inseridos no palácio do rei, desfrutando dos benefícios de estarem alinhados com os desmandos da liderança de nosso país, porém não reconhecem dois importantes pontos sobre essa aliança:
- A igreja não deve se aliar a nenhum governo, de nenhum grupo político. A igreja deve ser resistência à todas as forças do mundo, mas principalmente resistência às forças que atentam contra à vida das pessoas. E, leia-se, de todas as pessoas, não apenas daquelas que fazem parte do seu extrato bancário de dízimo mensal.
- Os líderes evangélicos que hoje estão alinhados ao governo são apenas um número, pois muitos manipulam seus fiéis nas eleições, indicam candidatos, fazem propaganda eleitoral nos púlpitos (mesmo sendo crime). No momento em que estes líderes não forem mais interessantes ao governo, eles serão descartados, como Assuero fez com a Rainha Vasti e também tinha o poder de fazer com Ester.
Estes homens e mulheres aliados ao governo, que usam o nome de Deus em seus projetos pessoais de poder, omitem-se como Ester pretendia fazer. Dentro do palácio, ninguém ousará me tocar. Enquanto desfruto dos manjares oferecidos, emudeço e esqueço os gemidos do povo oprimido, que morre asfixiado por falta de medicamentos, de oxigênio. Se cultuo um deus acima de todos, obviamente eu também estou desconectado da realidade das pessoas à minha volta, pois olho para elas de cima para baixo. De opressor para oprimido.
O que falta em nossas igrejas, são vozes como a de Mordecai: vozes que denunciam o papel do servo de Deus no cuidado e preocupação com a vida das outras pessoas, e não apenas a próprias preservação. Não deve haver espaço para cristãos omissos, que não arriscam sua própria vida (conforto, riqueza, status) pela vida das outras pessoas. O que falta em nossas igrejas é arrependimento como o que veio sobre Ester: ela jejuou e orou a Deus para ter coragem de fazer o que era certo, mesmo que isto custasse sua vida.
Numa conjuntura como a que temos vivido, quantos líderes cristãos arriscariam sua vida pelo bem do povo de Deus? Quantos pastores arriscariam suas vidas pelas vidas de suas ovelhas?