Estou aqui de volta pra falar de mais três faixas do projeto especial de 30 anos da banda Resgate, uma das mais influentes e longevas do cenário nacional.
Este combo inicia com a provocativa Vai, Babel!. Uma verdadeira piada com a briga de egos que caracteriza o evangelicalismo brasileiro. Cada grande líder miserável em sua própria vontade de ser o maior de todos.
Babel me pareceu aqui um contraponto à ideia de uma cidade celestial, edificada não sobre a obra da cruz, mas sim sobre as vaidades particulares desses líderes.
Pra entender esta provocação é interessante lembrar a história descrita em Gênesis 11:1-9, quando a humanidade resolveu se ajuntar num projeto pela sua própria glória e legado. A famosa Torre de Babel.
Depois, disseram: “Venham, vamos construir uma cidade com uma torre que chegue até o céu. Assim, ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo”. Gênesis 11:4
Aparentemente a sede por reconhecimento não é uma exclusividade dos povos antigos. Ainda hoje líderes religiosos alimentam sua altivez congregando multidões em torno de si, sob o argumento fútil de que almejam com isso agradar a Deus.
A estrofe da música que diz:
“Sádicos, médicos, videntes competentes
O fato é que no fim ninguém se entende nessa festa
A língua dos glutões não é mais a de Camões
Tem três números seis pra cada testa”
É uma menção à maneira como Deus frustrou os planos de construção da tal torre de Gênesis, confundindo os idiomas que eles falavam e causando uma confusão generalizada, o que resultou no espalhamento dos seres humanos pela terra.
A frase “Que sorte a nossa, Deus atrapalhou” parece revelar uma expectativa (ou quem sabe a constatação) de que o Senhor operaria da mesma maneira hoje, sabotando os projetos de poder e os impérios particulares desses líderes de nossos dias.
Musicalmente a faixa é simples e convidativa. Dá vontade de se unir à banda, batendo palmas e pés, cantando o refrão em seu modo quase tribal. “Vai, Babel!”
Na sequência temos Velhos Ventos, com a participação de Pedrinho Carenas. Um desabafo (bem fundamentado) de alguém que já experimentou o melhor e o pior que a vida pode oferecer. Mas cuja experiência não parece ser valorizada ou mesmo notada pelos mais jovens, que acreditam ter descoberto algo absolutamente novo, libertador e “desruptivo” a cada novo modismo religioso.
Como bem disse Salomão, não há nada de novo debaixo do céu. O que é, já foi, e o que será, também já foi. Este é o tipo de lição que todos inevitavelmente aprendemos, mas que geralmente só é absorvida quando já é tarde demais.
Os riffs e os duetos de voz trazem a estética característica do Resgate, com a impressão digital que a banda deixou ao o longo de seus 30 anos de estrada.
A terceira faixa, Quanto Mais Cedo Melhor, conta novamente com a participação especial do músico, arranjador e produtor Pedrinho Carenas. Trata-se de uma canção aparentemente inspirada em Eclesiastes 12, tema recorrente na história da banda. No disco Resgate, de 1997, eles já lançavam a faixa “Antes”, que foi regravada no álbum Resgate Acústico em 2001.
Só que ao contrário da primeira canção, a faixa gravada em 2019 traz uma levada mais intimista, que tem tudo a ver com o tema do texto bíblico. Chega a soar como Roupa Nova ou Ivan Lins. Pra ficar no campo dos artistas cristãos, posso imaginar esta letra sendo cantada por Guilherme Kerr ou Nelson Bomilcar.