Há algumas semanas, eu e o Jonatha assistimos o filme “A sociedade literária e a torta de casca de batata”, uma produção original da Netflix. Basicamente, conta a história de uma escritora que acaba se relacionando (primeiro por carta e depois pessoalmente) com uma sociedade literária que surgiu na ilha de Guernsey, que fica no Canal da Mancha e fora invadida pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Essa sociedade surgiu como forma de permitir que alguns locais da ilha se reunissem para conversar, desabafar, resistir em tempos tão sombrios, e acaba transformando-os em amigos. E embora eu tenha amado o filme, e realmente ache que você PRECISA dar uma chance ao mesmo, este texto não pretende ser uma resenha do mesmo, mas quero discutir sobre cultura e relações humanas a partir de tudo o que senti vendo o filme, reflexão tão importante (que eu vinha adiando de escrever) um dia após o incêndio que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Ao acompanhar as histórias dos membros dessa sociedade literária, fui aos poucos notando e relembrando o poder avassalador que a cultura e a comunhão podem ter na vida das pessoas. Aquelas pessoas reunidas para ler estavam à mercê de um governo autoritário e opressor, e na leitura encontraram a si mesmas e umas às outras. Apesar de ver sua terra natal sendo devastada, elas tinham sua história preservada dentro delas e daquele relacionamento construído semana após semana. A leitura, além de permitir que elas vivessem outras histórias por alguns instantes, deu a essas pessoas a convivência, que se transformou em relacionamento, que se transformou em amor fraternal. E em tempos sombrios – não importa em que período histórico ou lugar – o fortalecimento das pessoas a partir de seus grupos de amigos é algo fundamental e formidável.
Há 2 anos eu tentei criar um clube de leitura entre as meninas que frequentavam a mesma igreja que eu à época. Dois livros depois, já não consegui reunir mais nenhuma para ler e conversar comigo qualquer outra obra, e confesso que ainda me sinto frustrada por isso. Eu não precisava que todas elas tivessem se engajado ferrenhamente ao projeto, mas se ele tivesse sobrevivido, as novas pessoas e leituras, bem como as que nos deixassem, seriam apenas representações das fases da vida. É duro notar como nos isolamos atualmente, como dedicamos pouco do nosso tempo ao convívio com amigos e conhecidos, e menos ainda à cultura e divertimento (porque nem toda literatura precisa ser clássica ou super profunda), e isso nos enfraquece enquanto seres humanos.
Em tempos de museus sendo reduzidos à cinzas e 20 milhões de itens de um acervo milenar destruídos, é urgente que reconheçamos a importância de valorizarmos e cuidarmos de nossa cultura e educação, bem como a importância de não andarmos sozinhos. Quando estamos sozinhos, somos mais fracos, nos sentimos impotentes e isolados. Ver quanta gente chorou a destruição do museu ontem, como eu mesma o fiz, me deu a certeza de que não estou sozinha, e que a luta que enfrento todo dia não é só minha, o que a torna mais possível de ser vencida. Porque lutar sozinha cansa muito mais rápido, e machuca muito mais fundo.
Que possamos resistir juntos, pois a caminhada é mais leve quando o fardo é dividido e o trajeto compartilhado. Andar juntos, respeitando-se e amando-se é um resumo do que a vida cristã deve ser, pois a comunhão entre nós é um aperitivo da comunhão que teremos em e com Deus. Que essa semana, você possa encontrar e viver comunhão com seus amigos e irmãos, seja através de uma leitura partilhada, de um filme assistido ou de uma refeição celebrada. Que possamos encontrar força uns nos outros para continuar nosso caminho e nossas lutas.