Até que ponto pode um cristão manifestar a sua fé? Como podemos falar de quem somos e para onde vamos sem interferir ou machucar alguém que não escolheu o mesmo caminho que a gente?
Ouvindo cristãos, das mais diversas igrejas, dos mais diversos posicionamentos teológicos sempre há uma certa dúvida: o que podemos fazer como cristãos? Nesse meio de dúvidas, surgiu uma teoria da conspiração que cada vez mais tem invadido o imaginário gospel: o da ditadura LGBT. Mas… existe mesmo essa ditadura gay que quer acabar com os valores tradicionais do cristão brasileiro?
Deixando de lado qualquer diferenciação ou pensamento divergente acerca da aplicação das Escrituras aos infiéis (!) ou incrédulos (!), trago hoje uma comparação entre dois casos que parecem ser semelhantes: um com o eterno presidenciável Levy Fidélix (condenado a pagar R$1 milhão) e outro com o Senador Magno Malta (inocentado), ambos envolvidos recentemente em polêmicas com movimentos de defesa dos direitos LGBT.
Podemos começar pelas poucas semelhanças entre os casos: Ambos dizem ser cristãos. Os dois dizem ter lançado suas opiniões e comentários defendendo a sua fé, e o que acreditam. E termina aí.
Não vamos entrar nesse mérito do que seja defender a fé ou ser cristão, o importante que temos aqui é até que ponto, jurídico, um cristão (ou qualquer outro religioso) pode falar sobre a sua fé e responder a críticas sobre ela sem ser punido pela Justiça? Comecemos pelo contexto e fala de cada um:
No caso do Levy Fidélix, a candidata do PSOL, Luciana Genro, o perguntou em um debate eleitoral sobre seus motivos para ser contra o casamento homoafetivo. O então candidato disse que não concordava com tais práticas, que não eram naturais e que era necessário providenciar tratamento afetivo e psicológico a essas pessoas longe da gente.
No caso de Magno Malta, o senador, ao ser confrontado pela mídia com a imagem de Viviany Beleboni, atriz que saiu crucificada na Parada Gay de 2015, ele afirmou que tal atitude era além dos limites e “semeou intolerância e o desrespeito à liberdade religiosa”. Ainda sobre o assunto, em uma entrevista, o Senador afirmou que “há uma revolta generalizada com esta atitude nefasta, inescrupulosa e reprovável. Vocês passaram do limite. Não é assim que se faz.”
Já de pronto é possível perceber a diferença no discurso – e no tom – de cada um. Enquanto Magno Malta questiona a utilidade ou validade de um protesto que, ao seu ver desrespeitava sua religião, Levy Fidelix condena a intimidade daqueles cuja sexualidade sua teologia não vê com bons olhos.
Ou seja, enquanto Levy atacava a conduta íntima alheia (as relações sexuais homoafetivas), Magno se viu atacado em sua conduta íntima (a sua manifestação individual de fé) – estão eles em lados opostos da confusão, embora possam ter o mesmo ponto de vista.
Longe de defender o senador Magno Malta ou sua visão teológica (a qual, de fato, eu desconheço), mas, num exercício mental, caso ele tivesse reagido como Levy Fidélix (criticando a atuação de Viviany, dizendo que esta era indigna, que iria para o inferno, que deveria ser tratada psicológica e afetivamente), ele seria também seria condenado ao pagamento de indenização, mesmo que, para alguns, ele tivesse sido “provocado”.
E ainda digo mais: caso tivesse sido ele a processar Viviany pela atuação na Parada Gay, ele teria perdido o processo – já que ela em seu desfile estaria utilizando sua liberdade de expressão. Pra variar, a gente pode perceber que vale o bom-senso: Quer defender o seu ponto de vista? Quer falar sobre sua fé ou sua sexualidade? Não envolva o posicionamento do amiguinho.
(importante lembrar que ambas decisões são de primeiro grau e em ambos os casos houve apelações que podem reformar a sentença, modificando o entendimento)