INCONFORMISMO: contra que(m)?

“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:2)

Há uns tempos atrás, li um pequeno livrinho chamado “O Discípulo Radical”, do John Stott. Entre os capítulos que me chamaram a atenção, um deles tratava do tema do “Inconformismo”. O autor ressalta que nosso desafio enquanto cristãos seria sermos diferentes de todos, e desenvolvermos uma espécie de contracultura cristã.

Entre os aspectos aos quais deveríamos nos opor, segundo Stott, seria o pluralismo (por que todo mundo vive hoje “cada um na sua”, e isso seria arrogância pro Stott); o materialismo (o mundo de hoje se preocupa demais com as coisas materiais, enquanto o cristianismo prega a simplicidade); o relativismo ético (meio que um desdobramento do pluralismo, que o Stott entende que não tem relativismo não, Jesus é Senhor, sem relativismos); e finalmente o narcisismo (o cristão deve buscar amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo, o amor próprio seria um “sinal do fim dos tempos”). Bem bem resumidamente, são nesses quatro pontos que o Stott sintetiza qual seria o nosso inconformismo, enquanto cristãos.

Mas o que eu gostaria de falar agora é o nosso inconformismo com as opressões, as injustiças e a indiferença da igreja com relação a tudo isso. Acho que, de tudo o que Jesus deixou pra gente, na sua vida, no seu exemplo, precisamos ampliar nossa mente um pouco com relação contra o que estamos na verdade nos opondo.

De que maneira nós temos lutado em não nos amoldar a este mundo? Ou será que a igreja vem cada vez mais se amoldando ao mundo? É tanto ódio, é tanto julgamento, é tanto show. Quem está se amoldando a quem? Não posso pular atrás do trio elétrico, mas pular atrás do pastor na marcha pra Jesus, no cabresto do pastor, isso pode?

Não vejo nada de mal em a “instituição igreja” acompanhar as transformações culturais porque passamos. Se não fosse por isso, a bíblia nunca teria sido traduzida, afinal a única linguagem “santa” o suficiente era o latim. Graças à secularização iniciada por Lutero, hoje todos podem ler a bíblia na sua língua, e não só no latim. Aposto que na época isso foi um escândalo, afinal como assim ler a palavra de Deus em uma língua profana??? Mas hoje, temos inúmeras traduções, versões, na linguagem de hoje, com figuras, com mapas, com comentários, bíblia da mulher, bíblia do empresário, bíblia da vitória financeira… bíblias de todos os gostos, de todas as versões. Para o bem e para o mal.

Sem isso, nem as músicas que tocamos no culto hoje, o que era diabólico há uns 50 anos atrás, hoje é um mercado bem rentável aos ministérios de louvor por aí.

Então, de que inconformismo estamos falando? Contra o que exatamente estamos lutando? Ao que nós não devemos nos amoldar? Contra o que não devemos nos calar? Estamos lutando contra comportamentos? Contra pessoas? Ou contra injustiças? Contra a desigualdade e opressão?

Será que Jesus morreu para que possamos ter o poder de dizer uns aos outros o que é certo e o que é errado? Será que seu sacrifício nos deu a prerrogativa de dizer o que é melhor para o outro? Creio que isto não só não tem respaldo bíblico, como não faz o menor sentido na lei do amor.

Pela lei do amor e da graça, é preferível que nosso irmão tenha a certeza do amor de Deus e não do seu pecado. Pra quem não é crente, esse papo de salvação, pecado, céu e inferno, não fazem o menor sentido. Justamente porque em um contexto em que cada um sabe o que é melhor pra si, em que eu preciso satisfazer meus próprios desejos, em detrimento dos desejos e direitos dos outros, eu sou o rei, eu sou o centro, dizer que tudo isso é pecado não faz sentido. Então um discurso de que somos podres e precisamos de salvação realmente não faz o menor sentido. Então não é apontando a falha no outro que eu estarei amando. Em suma: inconformismo não é se separar do “mundo”, não é apontar pra ele e condená-lo.

O inconformismo não é condenar tudo aquilo que não é conforme os padrões da igreja. O inconformismo a que somos chamados é o amor incondicional. Não é defender a regra do merecimento. Assim como a graça me dá aquilo que justamente não mereço, pelo preço que fui comprado – o sangue de Cristo. Não posso defender um merecimento, porque na ótica cristã eu não mereço nada. Mas o que temos ouvido hoje em dia? Que somos filhos do Rei, que se eu sou fiel a Deus Ele vai me fazer prosperar. Está-se reduzindo o amor de Deus a uma relação de troca, que não é verdadeira. A troca já foi feita – Jesus no meu lugar, que resultou em graça, pra mim, pra você, até pro carinha que você não gosta. Qualquer outra troca não é cristã. Eu não negocio com Deus, porque eu não mereço nada. Eu não mereço, você não merece, o ateu não merece. O cristão não merece mais o amor de Deus por ser cristão, Deus não te ama mais do que um ateu por isso. Então um discurso de merecimento na igreja não faz o menor sentido.

Minha tarefa e amar. Pois Jesus veio ao mundo, e devemos entrar no mundo das pessoas (Fp. 2:5-11). Portanto a marca do cristão não é o quão bem o evangeliquês ele domina, mas é o quão capaz ele é de amar ao próximo, independente da conduta deste próximo, do que o próximo faz, as escolhas dele. Afinal, Deus te ama mesmo com seus defeitos e cagadas diárias.

A meu ver, devo perguntar me perguntar, nas minhas condutas: de que maneira eu estou amando mais o meu próximo? É criticando e condenando? Ou amando antes de qualquer coisa? O amor não é um amor condicional. Aqui é a revolução que Cristo trouxe ao mundo. A medida do amor é amar sem medida, porque Ele nos amou até o fim, com sua própria vida. É perdoar 70×7, é caminhar a segunda milha… Este é o amor bíblico, o amor sacrificial.

E neste ponto somos inconformistas. Porque enquanto o mundo espera de nós um amor próprio, em que eu mereço tudo, em que eu sou o centro, e que não há obstáculos para o meu sucesso, posso até passar por cima dos outros, ou mesmo no ambiente eclesiástico, se eu cumpro a cartilha, agrado a liderança e o pastor, eu sou mais merecedor… Na verdade, os cristãos são aqueles que deveriam ser servos dos outros.

Ser inconformista, sob o prisma cristão, não é estabelecer um cordão sanitário entre mim e meus colegas de faculdade, ou com meus colegas de trabalho. É estar disposto a entrar na sujeira do outro, como Jesus entrou na nossa sujeira,  e lavou nossos pés. A marca é o amor. É isso que vai determinar. O quanto eu estou edificando esta vida. Ser inconformista é estar disposto a investir numa vida, numa pessoa, sem esperar nada. NADA. Numa lógica capitalista, é perda de tempo. Mas não para o Reino de Deus. Jesus passou 3 anos explicando o Reino pra 12 caras, e mesmo assim na hora que Ele mais precisou dos 12, todos eles sumiram. Todos Eles o negaram. Jesus sabia disso. Mas mesmo assim investiu nessa galera.

É estar disposto a se colocar no lugar dos outros, e amar. Isso é revolucionário, isto é inconformismo. Porque hoje ninguém faria isso se não fosse ter uma vantagem. E aqui está o não amoldar-se aos padrões do mundo, porque o cristão deve fazer isso, se colocar no lugar do outro, entrar nos seus dilemas, sofrer junto, sem esperar NADA em troca. NADA. Porque eu sou produto desta troca – Jesus no meu lugar. Não espero uma troca, mas eu sou reflexo desta troca sacrificial que Jesus fez por mim.

Então, reduzir o inconformismo ao que podemos ou não podemos fazer é um engodo. O cristianismo não se reduzi a um “pode/não-pode”. Na verdade, cristianismo é liberdade. Portanto, estou limitado ao próximo, sou escravo do meu próximo. Isso é revolucionário. Como cristão sou livre. Mas por amor ao meu próximo, eu limito minha liberdade, eu me subjugo a ele em amor. Não por vantagens, mas pelo simples amar. Inconforme-se com este mundo com amor, incondicional.

Benção Franciscana

Que Deus o abençoe com desconforto,

Diante de respostas fáceis, meias verdades e relacionamentos superficiais, para que você possa viver profundamente em seu coração.

Que Deus o abençoe com ira, contra a injustiça, opressão e exploração do povo, para que você possa trabalhar em prol da justiça, liberdade e paz.

Que Deus o abençoe com lágrimas, para derramar pelos que sofrem de dor, rejeição, fome e guerra, para que você possa estender sua mão para confortá-los e transformar sua dor em alegria.

E que Deus o abençoe com inocência suficiente, para acreditar que você pode fazer a diferença neste mundo, para que você possa fazer o que outros dizem que não pode ser feito.

Amém

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