Introdução ao Livro de Miqueias – Injustiça pouca é bobagem
Miqueias viveu na mesma época do profeta Isaías e é mencionado em Jeremias (26:18-19) acerca da destruição de Jerusalém cem anos depois. Esta citação aponta para o prestígio que Miqueias ainda tinha como profeta do Senhor e o cuidado dos hebreus na preservação destes registros. A mensagem de Miqueias, em termos de contundência, pode ser comparada à de Amós.
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A introdução do livro deixa claro que o período que Miqueias pronunciou seus oráculos foi de aproximadamente quarenta anos na segunda metade do século VIII a.C., antes de 722 a.C. quando Samaria (Reino do Norte) foi aniquilada pela Assíria.
Tanto Miqueias quanto Isaías sabiam do destino de Judá em virtude de sua injustiça, opressão e idolatria; e, embora tenham tratado sobre a acusação e julgamento de Javé, escreveram acerca da esperança de restauração para o povo da Aliança.
Os profetas Miqueias e Isaías formam um contraste interessante, pois um era camponês de uma pequena vila a quarenta quilômetros de Belém; o outro era aristocrata e membro da corte real. A despeito de suas diferenças sociais, ambos os profetas defenderam a Aliança e abordaram a fé histórica de Israel. A origem social de Miqueias talvez explique sua preocupação com os pobres e explorados pela realeza.
Provavelmente Miqueias não fosse um profeta profissional e denuncia os sacerdotes e profetas que agem por interesse financeiro (3:11) ou proclamam mensagens favoráveis de acordo com o pagamento recebido (3:5). Miqueias se fundamenta no Espírito do Senhor para anunciar seus oráculos morais contra Israel, ratificando, desta forma, o seu chamado profético (3:8).
O ministério de Miqueias aconteceu durante a ameaça assíria. Nesta época as nações do leste estavam temerosas da crueldade dos assírios, famosos pelo tratamento cruel e desumano que dispensavam aos seus prisioneiros. A Assíria, em diversas ocasiões, sitiara e invadira Judá, servindo de contexto para algumas profecias. O mais famoso cerco assírio foi durante o reinado de Senaqueribe que chegou até em Jerusalém, capital do Reino do Sul. Oseias pôde até mesmo assistir a destruição e o cativeiro que a Assíria impôs ao Reino do Norte, Israel.
Todos esses elementos produziram um ambiente de instabilidade política e social, embora a campanha militar do rei Uzias (ou Azarias), na primeira metade do século VIII a.C., tenha trazido prosperidade econômica para alguns poucos privilegiados. Este progresso econômico gerou uma classe de comerciantes prósperos em Israel, e novos estratos sociais. Os pequenos proprietários de terras ficaram muito dependentes desses ricos comerciantes que agora contavam com o apoio do rei.
Este foi o cenário no qual Miqueias pronunciou seus oráculos contra a injustiça social e a hipocrisia religiosa, que se apoiava em rituais de manipulação para a obtenção do favor de Deus.
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Estrutura de Miqueias
O livro de Miqueias, de acordo com seu conteúdo, pode ser estruturado da seguinte forma:
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Introdução – 1:1
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Acusação, julgamento e esperança para o povo – 1:2 – 2:11
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Acusação, julgamento, esperança e restauração dos líderes – 3:1 – 5:15
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Acusação, julgamento e esperança para a nação – 6:1 – 7:20
As três seções de acusação começam com a chamada para ouvir a Palavra do Senhor. Cada um desses trechos é composto por oráculos de acusação dos pecados de Israel ressaltando as suas consequências em virtude do julgamento de Javé. No final de cada um desses oráculos há a mudança do tema da acusação para a esperança e restauração.
A estrutura da primeira e da última seção é semelhante em virtude do uso de uma linguagem jurídica, que coloca Javé como relator dos pecados do povo (1:2) passando depois para o papel de promotor de acusação (6:2). A seção do meio (3:1 – 5:15) é diferente eu um pouco mais complexa que as demais por não usar nenhuma terminologia jurídica ou legal.
A seção do meio é composta por palavras duras remetendo à grande injustiça social às quais os líderes de Israel submetiam o povo (3:2-11). Além dessas acusações a seção intermediária altera o seu teor para um elemento de restauração, apontando para o futuro, que se inicia com a expressão “naquele dia” (4:1-6). A seção se altera novamente, dessa vez para o apontamento da crise atual, quando o profeta diz “agora” (4:9; 5:1). Como em todos os oráculos proféticos, a crise é solucionada pela intervenção divina (5:2-9), resultando na restauração e purificação de Israel (5:10-15).
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Propósito e conteúdo
Miqueias aborda os seguintes temas em seu livro:
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Acusações contra injustiça
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Rituais que objetivam manipular a divindade não diminuem a ira de Deus
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Messias davídico
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Livramento da Assíria
Miqueias deixou seu objetivo muito claro quando disse que, por meio do Espírito do Senhor, acusaria todas as transgressões e pecados de Israel (3:8). Imbuído de coragem pronunciou seus oráculos de acusação, principalmente contra a classe rica e abastada de Judá, apontando toda a injustiça sobre a qual sua riqueza descansava. O resultado seria o cativeiro e a destruição. A referência aos do Reino do Norte Onri e Acabe (6:16) indicam que Judá praticava as mesmas coisas que levaram à destruição de Israel poucos anos antes.
Miqueias divide sua crítica e acusação em cinco julgamentos:
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Julgamento religioso com uso de linguagem cósmica que lembra muito a apocalíptica (1:3-7; 3:12).
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Julgamento social e cativeiro (1:10-16)
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Julgamento de pessoas específicas (2:3-5)
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Julgamento contra os falsos profetas (3:6-7)
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Julgamento econômico (6:13-16)
Ao mesclar entre os oráculos de julgamento promessas de esperança e restauração, Javé dizia ao povo da Aliança que o castigo jamais seria a última palavra dele dirigida a seu povo escolhido.
O salvador
Miqueias em seu texto aborda em dois momentos um salvador para seu povo. Este tema está presente nos trechos 2:13 e 5:2-9.
Em 2:13 o rei que vai adiante do povo é comparado ao Senhor, e isso levou alguns intérpretes a associar este rei ao próprio Deus. Outros dizem que este rei está sob o comando de Javé. O versículo 2:12 trata sobre os sobreviventes (remanescentes) salvos em um aprisco, enquanto o capítulo 1 descreve a destruição de Jerusalém; portanto, este trecho de 2:12-13 pode indicar os sobreviventes do massacre assírio sobre Judá em 701 a.C. e o livramento de Javé em resposta ao pedido do rei Ezequias.
No trecho de 5:2-9 o salvador não é um rei, mas um governante. A expressão Messias não foi usada por nenhum profeta do período pré-exílico, uma vez que este conceito floresceu durante o exílio babilônico. O seu aparecimento em Belém sugere uma quebra de continuidade real, já que os herdeiros do trono de Judá nasciam em Jerusalém. Este governante traria a liberdade aos sobreviventes ou remanescentes.
Está claro que Miqueias tratou sobre o rei davídico ideal, mas não há qualquer evidência no texto de que ele tenha tido um vislumbre do que costumamos considerar como messiânico no sentido estrito do termo, afinal ele estava muito mais preocupado com a questão da quebra da Aliança que se traduziu na injustiça social e apostasia religiosa.
Os autores no NT, guiados pelo Espírito Santo, entenderam que este governante, nascido em Belém, foi Jesus, o novo Davi. Isso nos dá segurança em crer que Deus é o autor da salvação que foi preparada durante toda a história.
A exigência do Senhor
Frequentemente o verso 6:8 de Miqueias é tido como a exigência mais abrangente daquilo que Deus requer do seu povo. Mas, para uma interpretação mais apurada, devemos analisar o contexto no qual estas palavras foram escritas.
O verso 8 foi escrito para contrastar com as práticas ritualistas dos versos 6 e 7, que se propunham a manipular a Deus com o objetivo de aplacar a sua ira. Os israelitas estavam sempre inclinados a apaziguar a ira do Senhor por meio de rituais religiosos, mas não se propunham a abandonar suas práticas injustas e idólatras.
Miqueias então lhes explica que a questão não era evitar a ira de Deus por meio de sacrifícios ou ofertas, mas sim corrigir o relacionamento do povo da aliança com Javé. Portanto, o verso 6:8 não se trata de uma exigência em termos da responsabilidade do povo perante Deus, mas sim o que Israel deveria fazer para renovar e restaurar o relacionamento da Aliança. Em outros termos, a obediência era muito mais importante do que o sacrifício (1 Sm. 15:22).
Uma exigência mais completa sobre a responsabilidade humana diante do Senhor está expressa em Dt. 10:12-13: “E agora, ó Israel, que é que o Senhor seu Deus pede de você, senão que tema o Senhor, o seu Deus, que ande em todos os seus caminhos, que o ame e que sirva ao Senhor, ao seu Deus, de todo o seu coração e de toda a sua alma,e que obedeça aos mandamentos e aos decretos do Senhor, que hoje lhe dou para o seu próprio bem?”.
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