Era o meu segundo ano na faculdade teológica e um dos eventos de palestras era sobre Missão integral. Quase não tinha ouvido falar do que era isso na vida, criada em uma igreja batista com o famoso ministério de ação social e achando que aquilo era tudo que o corpo de Cristo poderia fazer pela comunidade em que está inserida, fui fortemente golpeada com uma força que chegou da alma até o corpo quando confrontada pela primeira vez com a realidade da integralidade da missão da igreja.
As palavras daquele palestrante iam entrando em meus ouvidos como se eu estivesse ouvindo Cristo pela primeira vez. E realmente foi a primeira vez que ouvi do verdadeiro Cristo, aquele Jesus… O Cristo em que todos os evangelhos demonstram alimentando quem tem fome, curando os doentes, atendendo a todos os oprimidos e rejeitados pela sociedade e até mesmo pela religião.
Clemir Fernandes falava através de experiências de igrejas e indivíduos que viviam a integralidade da Missão sobre o verdadeiro papel que a igreja deveria exercer no mundo. “O Reino, falado por Cristo, começa aqui.” Nunca, em toda minha criação na igreja, em todos os meus estudos bíblicos, e naqueles dois anos no seminário eu ouvira alguém me dizer que é realmente importante cuidar daqui, da terra, da vida terrena, agora. Senti que em toda minha vida não tinha vivido o verdadeiro evangelho. Lembrei de quantas vezes achei suficiente simplesmente dar uma esmola, de quanto considerei a vida política apenas um dever cívico, de quantas vezes achei que apenas orar seria suficiente, que achei que a natureza e este mundo não tinham importância.
Não houve uma explicação aprofundada técnica nem histórica sobre o assunto, mas naquele momento, não era necessário. As aulas posteriores de Teologia da Missão fariam isso. Naquele momento o mais importante era sentir o evangelho me tocando, me abraçando como uma verdade arrebatadora.
Em certa altura da palestra, o Clemir fala um versículo. Um versículo que me mudaria pra sempre, definiria meu destino daquele dia em diante, onde nunca mais eu poderia ser a mesma, crer no sempre cri e muito menos viver como igreja do jeito que havia vivido até então. João 20:21. “Assim como o pai me enviou ao mundo, eu vos envio.” Quanta força tinha aquelas palavras! Quanto significado invadia minha vida. Eu não conseguia permanecer dentro do auditório, a vontade de chorar era mais forte que qualquer noção de educação, ordem ou vergonha de me derramar em lágrimas na frente do seminário inteiro. Fui ao banheiro chorar até conseguir me acostumar com tamanha verdade golpeada sobre mim. “Como Cristo!” Eu me repetia, enquanto chorava copiosamente e me lembrava de tudo que já havia lido nos evangelhos sobre meu Deus encarnado… “Como Cristo ao mundo…” E chorava cada vez mais.
É impossível me lembrar daquele dia sem sentir novamente esta comissão. Foi como se o meu chamado, aquela experiência que tive no meu quarto, aos 14 anos, finalmente fizesse sentido. É como se todo questionamento que sempre me fiz sobre a hipocrisia da igreja, os dogmas inúteis, e todo sistema que me irritava e eu não sabia explicar o porquê finalmente fizesse sentido. Eu não fui chamada pra repetir aquelas fórmulas inculcadas em mim desde os primeiros anos de vida na EBD… Eu fui chamada para ser neste mundo exatamente como Cristo foi nos evangelhos e ser igreja só faz sentido, só é correto, só é igreja plenamente se for simplesmente seguindo aquele versículo, aquele único versículo que mudou tudo: João 20:21.
Hoje sou formada no seminário. Passei por diversas dificuldades por defender a missão integral da igreja, por acreditar que meu trabalho ia além de um folheto, além de uma ‘campanha evangelística’, além de dizer a uma prostituta pra abandonar seu trabalho. Fui rejeitada por meus amigos e pela igreja em que fui criada por receber prostitutas como amigas, por pregar que a responsabilidade da igreja era oferecer mais que salvação da alma, por falar sobre atenção aos pobres, por ensinar que o Reino de Deus começa neste mundo, sem dicotomia, sem proselitismo, por pregar e viver João 20:21 sem restrições.
Falar e escrever sobre a Igreja e a Missão integral é sempre um exercício de paixão e sempre será impossível falar sem envolver minha vida. Pois aprendi que a missão jamais poderá ser separada da minha vida, pois a minha vida é a missão, isso é ser integral. Assim como a Igreja verdadeira precisa estar nesta Missão, atingindo todos os âmbitos da sociedade: político, social, na saúde, no lazer, na educação… Somente assim poderemos inaugurar o Reino na sua plenitude.