Abaixo à Teocracia
Quem deve dominar?
O significado do termo Teocracia é até bonito, e pode soar como a solução de todos os problemas. Teocracia significa literalmente “governo de Deus”. Ora, no pensamento evangélico mediano, sendo Deus criador de todas coisas, seria natural que ele governasse, em todos os sentidos, o nosso planeta. E não faltam partidários dessa ideia.
Entretanto o verbo hebraico (kabash – dominar) usado em Gênesis é imperativo (uma ordem) que deixa muito clara a função do homem em subjugar a Terra. Portanto, Deus dera ao homem a prerrogativa do governo sobre a Terra, embora seu domínio cósmico não fosse abolido; isto é, as funções administrativas do planeta Terra seriam tarefa apenas do homem.
Esta distinção foi necessária para nos ajudar a compreender melhor qual o papel do cristão no mundo. É notório que, os chamados evangélicos, conquistaram um lugar na mídia; e, com a conquista do quarto poder, sua influência política aumentou. Uma vez no poder, legislará a favor de seus ideais e crenças, que, por acaso, não são compartilhadas pela população em geral. E é aí que começam os problemas. Será que um legislador evangélico deveria desenvolver leis que beneficiassem apenas o seu grupo (não usei comunidade de propósito) de fé?
Para nos ajudar nessa questão recorreremos à Teologia e à história eclesiástica.
A história da Igreja e a teocracia
Uma leitura cuidadosa do livro de Atos, que narra os primeiros movimentos da Igreja, nos mostrará que o eixo da pregação dos apóstolos era Jesus e o arrependimento dos pecados. Nenhum deles pleiteou mudar as leis vigentes nas localidades por onde passaram. Nenhum apóstolo concorreu ao senado de Roma para mudar as leis em favor dos cristãos que, não obstante, eram severamente perseguidos. E não eram perseguidos por desejarem mudar as leis e os costumes de todos, ou fazer com que o cristianismo fosse aceito à força.
Da mesma forma não vemos o apóstolo Paulo querendo mudar as leis de Atenas, berço da democracia. Paulo não pleiteou uma vaga no areópago, onde as leis eram feitas e aplicadas, embora tenha pregado por lá em pelo menos uma ocasião. Sua mensagem ficou restrita a Jesus. Logo, a prática da proclamação da Igreja primitiva não foi política, mas espiritual. Isso pode ser observado nos ensinos de Paulo aos Colossenses e aos Coríntios na não anulação dos costumes culturais desses povos. Eles continuaram se relacionando, negociando, interagindo como cidadãos comuns, mas com uma cosmovisão cristã apenas.
A Igreja no século II desenvolveu-se fundamentada nesse princípio, pois também não almejou nenhuma mudança de âmbito político que favorecesse exclusivamente aos cristãos. Eles, os cristãos do século II, tinham consciência da natureza sofredora que o Evangelho lhes impunha e, a despeito da defesa que alguns pais da igreja fizeram dos cristãos perante o Império Romano, nenhum deles lutou por uma vaga na política para mudar essa situação.
Até aquele momento nunca houve nenhuma lei favorável aos cristãos; eram considerados marginais, idólatras, perversos, desobedientes à lei civil e criminosos. A igreja crescia e se desenvolvia com vigor, pois sabia da sua vocação marginal, conforme seu Senhor havia predito.
O século IV chegou, e com ele a aceitação e imposição do cristianismo, que agora ocupava os lugares públicos e políticos. Era proibido não ser cristão. Em prol de tentar cristianizar o mundo foram aceitos todos os tipos de práticas por um lado, e a criação e mudança forçada de costumes por outro, onde os chamados cristãos chegavam.
Tudo de novo?
A história é cíclica, e novamente vemos a tentativa dos evangélicos, mal informados teológica e historicamente, de cristianizar à força os costumes e padrões sociais de todos, em detrimento de demonstrar pelo amor a mudança que Deus realiza naqueles que creem.
A proposta de um evangelho que muda o caráter de uma pessoa foi substituído pelo evangelho que força toda a sociedade se cristianizar. Esse não foi o ensino de Jesus, que demonstrou que o Reino de Deus chegou, não porque as leis mudaram em prol dos cristãos apenas; mas o reino de Deus chegou pois os cegos veem, os coxos andam, a justiça é feita e todos os homens dão glória a Deus pelas boas ações daqueles que receberam este Reino em seus corações.