Vernard Eller e sua Anarquia Cristã: a negação das “arquias”

Para um estudo detalhado recomendo o excelente trabalho de Vernand Eller. Esta obra traz à luz o verdadeiro caráter do anabatismo, que rejeita o poder das regras e que não é apolítico, como normalmente se diz, mas verdadeiramente anarquista.

Jacques Ellul – Anarquia e Cristianismo

O livro Anarquia Cristã: a supremacia de Jesus sobre os poderes, do estadunidense Vernard Eller, é no mínimo, desconcertante. Eller trabalha com um conceito de Anarquia Cristã que à primeira vista, pode soar até mesmo como estranha. Sem importar-se com o que anarquistas ou cristãos possam pensar, ele cai atirando para todos os lados, firme em sua posição.

Bem fundamentado biblicamente, o livro é um trabalho primoroso, que demonstra uma pequena parcela da produção teológica de Vernard Eller, infelizmente desconhecida pelo grande público brasileiro, mesmo por alguns envolvidos “no ramo”.

Nascido em 11 de julho de 1927, Eller foi um autor, professor e pacifista cristão. Sua visão é enraizada no contexto anabatista, e ele foi membro da Igreja Irmanista (uma das três igrejas pacifistas históricas, junto com os Menonitas e os Quakers). O livro Anarquia Cristã foi originalmente publicado pela Eerdmans em 1987.

O livro é dividido em onze capítulos, dentro do seguinte esquema :

1° – “Anarquia Cristã – A boa idéia!” – Nesse capítulo, o autor trabalha a idéia em si, quase que à guisa de tradução, ele trabalha alguns conceitos primários para um desenvolvimento mais satisfatório da obra, inclusive o mais importante para  tal: o termo “arquia”. Ainda, Eller expõe os motivos que o levaram a escrever a obra.

2° – “Nesse canto – Fé-Arquia” – Aqui, Eller conceitua o que ele vai chamar de a “alternativa humana” de salvação, a fé-arquia, a crença da humanidade em algo que vá salvá-la, e que não seja o Deus Vivo.

3° – “O Arquismo da Igreja” – Creio que o título do capítulo fala por si só. Eller não poupa a atual instituição igreja de suas críticas, traçando um paralelo desta com a ekklesia primitiva.

4° – “Sobre o pecado seletivo e a justiça” – Nesse, Eller fala acerca do que ele irá denominar como o “zelotismo” das arquias, na distinção da moral que estas fazem, buscando colocar-se como superiores umas às outras. Ainda nesse capítulo, há um histórico interessante de levantes e revoltas bíblicas que reivindicaram para si estar fazendo a vontade de Deus.

5° – “Karl Barth – Uma teologia da Anarquia Cristã” – Pessoalmente, esse foi o capítulo que mais deu trabalho para a tradução, por conta do número de citações. Entretanto, foi o mais prazeroso, principalmente por conta de minha admiração pessoal pelo teólogo suíço que dá nome ao capítulo. Polêmico e audaz, Karl Barth é responsável pelo rompimento com uma teologia que estava em voga, e declara a Total Alteridade de Deus. Para Eller, esse é um dos fundamentos da “teologia da Anarquia Cristã”.

6° – “Dietrich Bonhoeffer” – Aqui, Eller fala sobre o controverso teólogo alemão, morto em um campo de concentração nazista, acusado de participar de um plano para assassinar Hitler. Para Eller, Bonhoeffer é “mais ou menos” anarquista cristão, mas ainda assim, merecedor de todo um capítulo.

7° – “Teologia política e política árquicas” – Nesse capítulo, o autor vai trabalhar a questão da diferenciação entre a política das arquias e o papel que esta pode ocupar frente à tarefa de “salvação”, em contraste com a política de Deus.

8° – “Anarquia Cristã e desobediência civil” – Mais um capítulo que o título fala por si. Nele, Eller discorre acerca da sua posição sobre os movimentos de desobediência civil, trabalhando dentro de um contexto bíblico e também do atual.

9° – “O modus operandi da História” – Aqui, Eller vai falar sobre a maneira que ele enxerga a maneira que a História age, para encontrar o seu “fim”. Para o autor, as arquias crêem em uma “evolução moral” da humanidade, que irá culminar em uma sociedade pacífica, quase “utópica”. Entretanto, para Eller, a coisa não funciona bem assim.

10° – “Mais de uma maneira de esfolar gatos, ou alcançando bons finais” – Nesse capítulo, por meio de uma excelente análise bíblico-histórica da epístola de Paulo a Filemom, Eller demonstra que é possível fugir de certos “determinismos” que muitas vezes as lutas sociais buscam impor.

11° – “Justiça, Liberdade e Graça – Os frutos da Anarquia” – Para fechar o livro, Eller vai falar sobre a Graça de Deus, e a maneira que essa age, dentro de um contexto totalmente divino.

Anarco Cristianismo anarquia

Obviamente, o livro é muito mais complexo e completo do que esse breve resumo pode sugerir. A obra é repleta de exemplos, Eller é muito bom ao construir imagens evocativas. Provavelmente existirão pontos onde a única expressão que cabe é: “mas do que ele tá falando?” Porém, independentemente de concordar com ele ou não, compreende-se facilmente as suas colocações.

Como fica evidente ao longo da leitura (começando pelo agradecimento), a influência de Jacques Ellul é evidente. Apesar do livro Anarquia e Cristianismo do autor francês ter sido publicado depois da obra de Eller, artigos e citações de Ellul são extremamente presentes ao longo de Anarquia Cristã. Da mesma maneira, Ellul cita Eller algumas vezes em seu livro.

Por fim, o livro de Vernard Eller é provocativo, e oferece diversos questionamentos que podem levar à uma reflexão de nossas próprias práticas no dia-a-dia, sejam elas cristãs, anarquistas, ou anarco-cristãs.

Para baixar a versão integral do livro, clique aqui.

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