Antes de estudarmos a profecia, ou a literatura profética, devemos entender quem era o profeta e qual era sua função. Na antiguidade, de forma geral, o profeta era o representante oficial de Deus e, tal qual um embaixador de determinado país, que não possui mensagem própria, mas apenas transmite a mensagem do presidente, o profeta também não era dono de sua pregação, pois era o porta-voz de Deus. Em Êxodo 7:1 temos uma rara exceção, quando Arão é mencionado como profeta de Moisés e não diretamente de Deus.
[tabs style=”default” title=””] [tab title=”Introdução e tipos de profecia”]
A designação mais comum para profeta era “o chamado”, embora a Bíblia o apresente como “vidente”, referindo-se ao método de revelação dado ao profeta. Isso não quer dizer que visões, transes ou sonhos fossem os únicos métodos pelos quais o profeta recebia a mensagem divina.
Em Israel, o papel do profeta tendia a aumentar em épocas de crise sejam religiosas, políticas ou de identidade, conforme abaixo:
- Crise religiosa – oficialização do culto a baal
- Crise política – ameaças da Assíria e Babilônia
- Crise de identidade – pós-exílio
A atividade profética não era exclusividade do povo hebreu, mas outros povos do Antigo Oriente Médio também possuíam textos e mensagens proféticas. O método de recebimento da profecia também se realizava por meio de sonhos, visões ou transes, tal qual os profetas hebreus. Entretanto, a despeito dessas semelhanças, existem inúmeras diferenças entre a profecia hebraica e a profecia do Antigo Oriente Médio.
Profecia pré-clássica
Chamamos de pré-clássico ao período profético anterior aos oráculos escritos e organizados por um profeta. Abrange ao período pré monárquico e monárquico até o século IX a.C. Durante a formação do povo de Israel, os profetas atuavam como líderes da comunidade, assim como Moisés no deserto, e, séculos depois Débora, no período dos juízes. Na transição do período dos juízes para o período monárquico, quem assumiu a liderança do povo de Israel foi o profeta Samuel, cujas credenciais estão mencionadas em 1 Samuel 3.
Após a ascensão de Saul ao trono de Israel o profeta passou a ser uma espécie de conselheiro do rei. Em algumas ocasiões esta relação não era oficial. A partir deste período, as profecias passaram a ser registradas de forma espalhada pelos livros que narram a história do povo de Israel. Podemos tomar como exemplo os oráculos do próprio profeta Samuel, que estão diluídos nas narrativas do seu livro. Outro profeta com uma situação semelhante é Natã, cujos pronunciamentos recheiam o livro de 2 Samuel. O profeta Elias é o exemplo do profeta conselheiro não oficial. Diferentemente de Natã, Elias não ficava na corte do rei Acabe, entretanto serviu como porta-voz de Deus e conselheiro para o rei. A principal característica da profecia neste tempo era o tom de incentivo ou advertência para o rei.
Profecia clássica
A profecias clássica é caracterizada pelos oráculos proféticos organizados em livros. Os livros proféticos da Bíblia são as coleções destes oráculos ditos pelos profetas a partir do século VIII, durante a liderança de Jeroboão II, no Reino do Norte, Israel. Ali, Amós e Oséias foram os primeiros profetas clássicos. No reino do Sul, Judá, Isaías e Miquéias foram os primeiros profetas a organizarem seus oráculos em livros e mudar o teor de sua mensagem.
O profetismo clássico, grande parte das vezes, dirigia sua mensagem ao povo, ao invés de atingir apenas o rei, ou a corte. Por isso, sua mensagem não foi somente uma advertência ao rei, mas também continha uma grande parcela de crítica social e religiosa. Neste ponto a profecia hebraica se distingue da profecia das outras nações do Antigo Oriente Médio, pois, no profetismo pré-clássico não havia diferença na forma como os oráculos eram recebidos e pronunciados. Contudo, o profetismo hebraico do período clássico não encontra paralelos em outros povos.
No período clássico, a mensagem profética encontrada em outras nações era restrita a rituais de manipulação da divindade, isto é, os escritos proféticos não hebraicos se preocupavam em acalmar a ira dos deuses com rituais e sacrifícios. A profecia clássica hebraica, no entanto, era antirritualista, pois oponham-se à ideia de que Deus pudesse ser manipulado.
O fundamento da mensagem dos profetas do período clássico era a Aliança de Deus com o povo hebreu e seu propósito estabelecido na história para a humanidade. Nenhuma outra divindade tinha uma teologia semelhante. Apenas a mensagem profética hebraica possuía o conceito escatológico, isto é, Deus realizaria seu plano de longo prazo na história da humanidade, até o estágio final. Portanto, apenas os hebreus tinham uma mensagem profética carregada, além das críticas sociais e religiosas, de esperança para o futuro. Veja Isaías 46:9-11.
Apocalíptica
A profecia clássica contém o subgênero conhecido como Apocalíptica, visto em Isaías 24 – 27, Daniel e Zacarias. Embora a Apocalíptica contenha muitos aspectos da profecia clássica ela se destaca por algumas particularidades, tais como:
- Simbolismo abundante, por vezes mitológico
- Visões
- Conversas com seres espirituais
- Catástrofes cósmicas
- Estabelecimento do Reino de Deus na terra
O uso de símbolos confundem os intérpretes em virtude da associação direta entre a visão propriamente dita do profeta e a mensagem da profecia. A visão em si mesma não era a mensagem, mas apenas o meio da mensagem do profeta. Podemos citar o exemplo de Zacarias 1:8-11, que menciona os cavaleiros entre as moitas no vale. A profecia não deveria fazer os israelitas ficar olhando as moitas no vale esperando os cavaleiros de forma literal. Porém, como o texto deixa claro a seguir (1:14-17), o significado era que Javé ainda tinha amor por Jerusalém.
Portanto, a interpretação de cada detalhe da visão não é necessária, uma vez que a visão não é a mensagem, mas o meio para a mensagem. Ficar especulando sobre o simbolismo de cada detalhe da mensagem leva à perda de tempo e, muitas vezes, ao distanciamento da mensagem verdadeira que os símbolos trazem consigo. Muitas vezes o texto explicita a significado da visão, todavia, quando isso não ocorre, é preciso muita cautela na hora de decifrar o símbolo. Além do mais, os símbolos usados na mensagem apocalíptica eram usados muitas vezes para ocultar uma mensagem ao invés de revelá-la.[/tab][tab title=”A mensagem do profeta”]
Devemos ter ciência de que o profeta, ao receber a mensagem de Deus, tinha um entendimento atual para ele e sua geração. Isso não quer dizer que a profecia não tivesse um cumprimento futuro ou outro significado posterior.
A mensagem profética deve ser analisada sob o aspecto da sua mensagem para a geração que a ouviu originalmente e também sob o ponto de vista de seu cumprimento futuro. Em geral, os livros proféticos são estudados apenas sob a ótica futurista.
Para compreendermos melhor o caráter da profecia, podemos dividi-la em quatro tipos principais:
- Acusação – descrição da ofensa
- Julgamento – aplicação futura do castigo pela ofensa cometida
- Instrução – como os acusados deveriam agir
- Esperança – restauração após o julgamento da ofensa
Esta análise do caráter da profecia clássica nos ajuda a distinguir o conteúdo da mensagem dos profetas pré-exílicos e pós-exílicos. Em termos de acusação os profetas pré-exílicos enfatizavam os seguintes pontos na mensagem que transmitiam:
- idolatria
- ritualismo
- injustiça social
Estes temas podem ser observados nos textos de Is. 1:10-15; Jr. 2:2 – 3:5; Mq. 3:1-3.
Por sua vez, os profetas pós-exílicos destacavam a seguinte acusação:
- pecado do povo da aliança em não dar a honra que Javé merecia (Zc. 7:5-6; Ml. 1:7-14).
O aspecto das profecias relacionado ao julgamento, assume um direcionamento distinto entre os períodos pré e pós-exílicos. No período pré-exílico o julgamento é estipulado para um futuro próximo, enquanto que no pós-exílico o julgamento acontece em virtude de crises contemporâneas (Ag. 1:6-11; Jl. 1).
O aspecto relacionado à instrução na profecia pré-exílica não ganhou tanto destaque, pois a lei já incluía toda a instrução que o povo precisava. Entretanto, a instrução teve o papel de alertar o povo para o retorno ao Senhor, uma vez que haviam abandonado a conduta prescrita no Código da Aliança (Jr. 3:12-13; Am. 5:14-15; Mq. 6:8). A profecia pós-exílica dava mais atenção à instrução em virtude do redescobrimento da identidade do povo de Israel para situações específicas (Ag. 1:8; Ml. 3:10).
O caráter de esperança na profecia pré-exílica projetava o livramento para a geração futura de Israel, e não para o tempo contemporâneo do profeta. Este livramento, em geral, viria após o julgamento. Os profetas pós-exílicos, no quesito esperança, não enfatizaram um tempo definido, pois seria um processo gradual por um longo período.
É importante destacar que cada um destes aspectos da profecia pré e pós-exílica tinha validade para o ouvinte original e ainda tem para a Igreja contemporânea, não tanto pela mensagem em si, mas pelo que ela revelava e continua revelando acerca do caráter de Deus.[/tab][tab title=”Previsão e cumprimento”]
A profecia sob o aspecto da previsão e cumprimento
A literatura profética foi associada a um caráter de previsão do futuro e seu consequente cumprimento. Contudo, se a profecia for interpretada somente sob o esquema da previsão – cumprimento haverá um desacerto acerca da verdadeira natureza da literatura profética.
A previsão profética
Como vimos anteriormente, a mensagem profética pertencia a Javé e não ao profeta, pois este era apenas o porta-voz de Deus. Então, na verdade, o profeta não previa nada, mas somente transmitia a mensagem divina.
O Senhor era a causa final de todas as coisas e, portanto, não previa nada, mas apenas executava seus planos para as nações. Por isso devemos entender que a profecia estava mais empenhada na causa do que na previsão dos acontecimentos. Em última instância nem ao menos trata-se de uma previsão, afinal Deus não preveria a própria ação que tomaria.
A profecia deve ser encarada como uma espécie de “programa divino” no qual Deus diz ao profeta o que ele fará no futuro. Portanto, o profeta não previu nada, mas apenas comunicou o plano de execução da vontade divina.
O cumprimento da profecia
Da mesma forma que a previsão, o conceito de cumprimento da profecia pode ser equivocado. Temos que levar em conta que o profeta não imaginava um acontecimento específico; embora tivesse ciência da mensagem, ele não sabia de que maneira Deus executaria seu plano. Portanto não é necessário entender a intenção do profeta em termos do cumprimento da profecia, mas sim entender a mensagem propriamente dita que ele transmitiu.
Vários trechos do Antigo Testamento, se lidos sob o contexto da época, parecem sugerir que certos acontecimentos se dariam de outra forma, porém no decorrer da história, o desfecho foi outro. Um bom exemplo é a visão do templo em Ezequiel. Os judeus que retornaram do exílio babilônico ficaram frustrados quando viram o tamanho do templo reconstruído se comparado com as profecias de Ezequiel. Outro texto neste sentido é Isaías 11:16. Se as pessoas que viveram naquela época pudessem ler este texto hoje interpretariam que os exilados do Reino do Norte para a Assíria retornariam a Israel. Contudo, sabemos que isso jamais aconteceu, pois não houve retorno do cativeiro assírio. Isso nos ensina que não devemos nos preocupar em como e quando o cumprimento acontecerá e nem negligenciarmos a mensagem que foi transmitida.
É certo que o Novo Testamento fala sobre profecias que foram cumpridas, porém o uso que é feito do termo cumprimento é muito amplo. Os escritores do NT faziam uma correlação entre seus escritos e as profecias do Antigo Testamento, todavia esta correlação algumas vezes era mais próxima e aludia diretamente ao fato (Is. 61:1 e Lc. 4:18-19; Zc. 9:9 e Mt. 21:5). Outras vezes esta conexão era mais vaga (Os. 11:1 e Mt. 2:15).
Desta forma, quando o escritor neotestamentário refere-se a uma profecia do Antigo Testamento cumprida no Novo Testamento ele não quer dizer que o autor do AT estivesse relacionando sua profecia diretamente a este fato. Na verdade os autores do AT enfatizaram o contexto histórico da época em que viviam e não estavam preocupados com um possível cumprimento, afinal estavam apenas declarando o plano de Deus. Por sua vez, os escritores do NT destacaram o processo do cumprimento em vez de se concentrarem na mensagem propriamente dita.
Os autores do NT ao utilizarem-se do AT não tinham dúvidas acerca da messianidade de Jesus, entretanto o AT foi usado para fornecer mais provas sobre esta convicção, pois sua messianidade estava comprovada pelos seus milagres, palavras e ações. Ao citar os escritores do AT, os autores do NT indicaram sua confiança nas escrituras veterotestamentárias. Num primeiro momento a profecia era adequada ao público do mesmo contexto histórico, porém sua abrangência não estava restrita somente à sua época.
Portanto, apesar de algumas mudanças realizadas no texto original, pelos autores neotestamentários, as quais não foram a intenção original do profeta, eles fizeram correlações confiáveis e adequadas, pois compreendiam o contexto original da profecia e perceberam, pela revelação de Deus, o novo contexto no qual encontravam-se para comunicar a execução do plano de Deus prevista no Antigo Testamento.
Abaixo estão alguns passos que ajudarão na compreensão da profecias:
- A profecia é um resumo da execução do plano de Deus e não simplesmente uma previsão do futuro
- A mensagem do profeta deve ser distinta do seu cumprimento
- Identifique a categoria da profecia de acordo com os tipos vistos anteriormente
- A visão é apenas o meio de transmissão da mensagem, e não a mensagem propriamente dita.
A mensagem dita pelo profeta não está oculta sob símbolos ou padrões subliminares.[/tab][/tabs]
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