Quando Raul Seixas cantou sobre a sociedade alternativa, estava evidentemente influenciado por Aleister Crowley, um satanista muito cultuado até os dias de hoje mas que, ao meu ver, era mais um homem querendo anarquizar o valores de sua época e chamar a atenção, do que um emissário do inferno. Ele conseguiu de fato chamar a atenção! E muitos sonharam a partir disso, com a sociedade alternativa onde não haveriam regras, líderes, e onde tudo seria da lei, se assim desejasse quem quer que fosse.
O sonho da sociedade alternativa era uma resposta à sociedade vigente, com suas regras e metas rumo ao progresso industrial e tecnológico. Também as frustrações, depressões e vazios que vinham junto com todo esse avanço. Nesse aspecto, eu tenho que concordar com Raul Seixas.
Se a sociedade alternativa fracassou tanto no conceito como na prática, temos hoje a possibilidade de viver numa sociedade alternativa que inevitavelmente dará certo no fim. A saber, a igreja!
Desde seu começo, a igreja foi inspirada para ser um resposta a mundo opressor. Era sua intenção quebrar o sistema, não para uma simples anarquia que viria reconstruir um novo modelo sem líderes ou regras, mas que transformaria o modelo engessado, novamente em um modelo vivo e funcional (pelo padrões divinos).
A comunidade do Espírito e seus líderes em Atos não estava preocupados criando estratégias para fazer a igreja crescer. Mas ela crescia como nunca, em meio à completa ausência de qualquer plano pretensioso de crescimento. O crescimento se deu em um processo integral natural: quanto mais a comunidade perseverava e crescia na comunhão e no ensino (crescimento conceitual e orgânico) As pessoas queriam aquilo! precisavam daquilo! não era apenas fuga.. era a chance de um recomeço, no entendimento que o modelo atual fracassara e agora essa “aternativa” parecia muito mais verdadeira e certa do que a outra. Porém com o tempo, essa sociedade alternativa se perdeu em meio a novos gessos, políticas e tradicionalismo que visam o poder. Aparentemente continuou a crescer mas seu crescimento não foi compatível com o impacto que deveria ter seu avanço.
Então, quando vemos a explosão de crescimento na igreja evangélica hoje, devemos nos perguntar não tanto sobre métodos, estratégias ou números, mas no quê e no como está crescendo (qualidade). De nada adianta uma igreja grande no tamanho, mas pequena na maturidade cristã. A comunidade deveria ser idealmente a alternativa do Espírito para os cansados, feridos oprimidos e sobrecarregados do mundo; ser agente profético de denúncia à corrupção e injustiça, sob que forma elas apareçam; ser agente de transformação integral. Por outro lado, sempre que a igreja deixa, por alguma razão, de exercer esse papel, o Espírito, inadvertidamente, não deixa de agir. Isso significa que o Espírito cria a comunidade, mas não é monopólio dela. Não é Ele quem acompanha os movimentos da igreja, mas é exatamente o contrário, a igreja que, como comunidade, deve acompanhar o sopro do Espírito, onde quer que ele esteja soprando, e ouvir a sua voz, ainda que não saiba dizer de onde vem e nem para onde vai (cf. Jo 3.8)
A comunhão precisa viver as decepções óbvias da convivência, para que ela cresça como uma comunhão entre seres humanos pecadores, mas salvos pela Graça, e não entre anjos ou semideuses. Com isso dito, posso complementar que não vejo como igrejas que se dizem emergentes (igrejas em casa, sem instituição) podem ser a resposta certa aos problemas de igreja hoje. Isso porque, uma comunidade caseira será feita por pessoas magoadas e feridas pela instituição e que no fim, tenderão a criar um outro tipo de instituição, se quiserem permanecer como comunidade. Ou inevitavelmente perderão sua força e propósito e morrerão sem frutos concretos. Nas palavras de Dietrich Bonhoeffer:
“Somente a comunhão que passa pela grande decepção, com seus maus e desagradáveis aspectos, começa a ser o que ela deve ser diante de Deus, começa a apossar-se na fé da promessa recebida. Quanto mais cedo a pessoa e a comunidade passarem por esta decepção, tanto melhor para ambas. Uma comunhão que não suporte e não sobreviva a uma tal decepção, que se agarre a seu ideal quando ele é para ser destruído, perde na mesma hora a promessa de comunhão duradoura, e se desmanchará mais cedo ou mais tarde. (…) A pessoa que ama mais seu sonho de uma comunhão cristã do que a própria comunhão cristã, destruirá qualquer comunhão cristã, mesmo que pessoalmente essa pessoa seja honesta, séria e abnegada.”
Quem tenta viver sua fé fora da comunidade, pode até sofrer menos, mas também progride menos. Fora da comunidade (comunidade digo, e não templo), somos como que senhores de nosso próprio destino, mas não temos com quem contar no momento em que precisamos que a nossa rota seja corrigida. Tendemos a estagnar.
Vivemos num tempo em que as pessoas anseiam por comunidade, pois ela é sinônima de segurança. Como podemos atrair essas pessoas? Não apenas falando bem da comunidade ou da sua igreja, mas vivendo de modo que nossa própria vivência fale mais alto, pelo testemunho público. Sendo abertos e inclusivos, como foi Jesus, seja para conversar com a Samaritana à beira do poço, ou com o Nicodemos na calada da noite.
Também temos que ser sinceros ao olhar para nossos movimentos (como marcha pra Jesus) e nos perguntarmos se isso reflete mesmo nossos valores como cristãos e se isso está de fato, despertando o desejo nas pessoas de fazerem parte dessa nossa sociedade alternativa ou apenas desejando que sejamos cada vez mais essênios, longe e isolados em nossos desertos espirituais.
Viva a sociedade alternativa! viva no sentido de viver! seja! se formos de fato em Cristo, com certeza antes do fim deixaremos que cantar “Viva a sociedade alternativa” para sermos percebidos pelo mundo como um sociedade alternativa viva!