Todos querem ser Paulo

Paulo é o apóstolo perfeito pra nossa cultura ocidental, hebreu de nascimento, romano de cidadania, pensava como israelita, se comunicava como um grego; um acadêmico antes de surgir a academia, um intelectual, homem racional e moderno, cristão abençoado com a oratória que nós acreditamos ser a ideal; usa poucas metáforas, faz uso de muitas referências e até cruza diferentes culturas e as explica de forma simples e sagaz.

Paulo, como já foi dito, quase não usa metáforas e figuras de linguagem, é retórico e procura responder questões simples — como a crise dos alimentos que se pode ou não ingerir ou a embaraçosa situação da circuncisão — aprofundando ao máximo a questão, trazendo um limiar da nova notícia que não se prende somente aos judeus mas se estende a todas as nações. Tudo acaba em cruz, salvação, ou ressurreição (e derivados, pra não ser injusto ou simplista).

Paulo se expressa perfeitamente em seus escritos, é tolerante na medida certa, é radical na medida certa, luta contra o legalismo e é a favor de uma fé viva, e o melhor, ao contrário daquele que ele seguia — a saber, Jesus Cristo —, deixou escrito seus pensamentos e recomendações.

Paulo deve ter sido o apóstolo mais estudado na teologia ocidental, ao menos do lado evangélico. Talvez daí vem que boa parte da nossa expressão é uma espécie de imitação paulina. Todos querem trazer recomendações das mais diversas, todos querem trazer revelações de fé aplicadas a nossa realidade contemporânea, todos querem lutar contra aquilo que faz mal a nossa amada teologia.

Todos querem ser um apóstolo, mas poucos — poucos mesmo — estão afim de mudar da água pro vinho, como aconteceu com Paulo. O mais legal é que a performance seja nesse nível, ser um apóstolo depois de Jesus ter voltado aos céus, ter a perfeita conversão de deixar de ser perseguidor de cristãos pra ser perseguido, mas isso exige mudanças de fundamentos e dá muito trabalho.

Todos querem ser Paulo, o apóstolo, mas poucos — poucos mesmo — estão a fim de ter tamanha trajetória de reaprender a viver (afinal, deixar de ser fariseu, pra se tornar seguidor daquele que te criticava, não deve ser uma mudança lá muito simples), de sair por aí e pregar (e sofrer as consequências disso), de plantar e ver crescer uma árvore meio torta, cheia de desentendimento e picuinhas (graças a essas árvores tortas é que temos as cartas, seria melhor não tê-las ou nem precisar delas).

Todos  querem Paulo, um escritor e pregador fundamental a nossa fé, mas poucos — poucos mesmo —  são tão geniais como ele, uma parte tem ótimas ideias e sabem construi-las muito bem, mas grande maioria cai sempre na mesmice (fosse uma mesmice paulina, mas não chega nem perto) e acaba não dizendo nem fazendo muita coisa.

Kyrie eleison

A imagem que ilustra esse post é uma pintura de Paulo de Tarso feita pelo pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (ó ele aí de novo!).

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