#ScholeQueÉ – Introdução ao livro de Samuel – O homem governa? #010

Na Bíblia hebraica, os livros de I e II Samuel formam um único livro, e, neste estudo, vamos tratá-lo desta maneira. O livro de Samuel faz a ponte entre o período dos juízes e o estabelecimento da monarquia em Israel, abrangendo os reinados de Saul e Davi, seus dois primeiros reis.

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Os acontecimentos narrados se situam entre a metade do século XI a.C. até o século X a.C., porém, alguns estudiosos estabelecem a redação do livro muito tempo após os fatos ocorridos, mas, temos boas razões para dizer que a redação é contemporânea aos acontecimentos descritos no livro, uma vez que a corte dispunha de um arquivista real e de um secretário (cf. 2 Sm. 20:24-25).

 

Os fatos ocorridos com Samuel e Saul abrem o livro de Samuel, que se fecha com a compra feita por Davi do campo de Araúna, que seria o futuro terreno onde Salomão, seu filho, edificaria o Templo de Jerusalém. O enredo principal fica por conta de Davi, que luta para constituir e manter a nação de Israel.

 

Neste período, as nações mais poderosas do Antigo Oriente Médio, Egito e as nações mesopotâmicas, não estavam em condições de combates externos. Por isso, alguns povos de menor expressão no cenário palestino, puderam avançar em busca de novos territórios. Foi nesta ocasião que os filisteus atacaram Israel de forma consecutiva, sendo combatidos pelo rei Saul, que morreu em uma das batalhas, e foram expulsos por Davi. A partir daí Davi conseguiu expandir as fronteiras do reino de Israel na região Palestina por meio de batalhas e tratados.

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Estrutura de Samuel

 

O livro de Samuel está dividido da seguinte maneira:

 

 

  • Histórias de Samuel – 1 Sm. 1:1 – 4:1a
  • Histórias da Arca da Aliança – 1 Sm. 4:1b – 7:2
  • A instituição da monarquia e reinado de Saul – 1 Sm. 7:3 – 15:35
  • A Ascensão e reinado de Davi – 1 Sm. 16:1 – 2 Sm. 5:10
  • Os sucessos de Davi e a consolidação do reinado – 2 Sm. 5:11 – 9:13
  • Os fracassos de Davi e a dificuldade de manter o poder – 2 Sm. 10:1 – 24:25

 

 

Os primeiros capítulos tratam da apresentação de Samuel, a condição deplorável do período dos juízes (Eli e seus filhos – I Sm. 2:12ss) e marca a transição entre este período e a monarquia em Israel. Este período termina com a tomada da Arca da Aliança pelos filisteus. No mundo antigo a vitória de um exército sobre outro indicava o poder e a vitória do deus do exército vencedor sobre o deus do exército perdedor. Logo, a conclusão era que Dagom, o deus filisteu, era mais poderoso do que Javé, o deus de Israel. Os capítulos 5 e 6 de I Samuel registram fatos que desmentem essa teoria, pois, mesmo capturada, a Arca ainda representava a presença de Javé, e as pragas enviadas sobre o povo filisteu mostraram que, embora o povo de Israel tivesse perdido a batalha, Javé não fora derrotado pelos filisteus. A narrativa com o retorno da Arca faz menção Êxodo. A Arca permaneceu em um alojamento temporário durante todo reinado de Saul, e só voltou a ter uma posição de destaque quando Davi a levou para Jerusalém (2 Samuel 6), sugerindo que, tanto Samuel quanto Saul são personagens que indicam a transição para o período de ouro de Israel com o rei Davi, além de indicar a importância da Arca da Aliança.

 

Samuel atuava como profeta e sacerdote, além de juiz de Israel. Mas, apesar do poder político que possuía, não era rei. Após a vitória sobre os filisteus (I Sm. 7), e a reconquista dos territórios que haviam sido perdidos, cresce o clamor popular por um rei, pois o povo entendeu que nem Samuel, já idoso, nem seus filhos poderiam manter Israel na posição que ocupava naquele momento. A alusão à frustração de Samuel com relação à nomeação de um rei pode indicar que ele se considerasse apto à esta posição (I Sm. 8:4-5).

 

Nas narrativas da monarquia unida (Saul, Davi e Salomão) o livro de Samuel apresenta como estrutura narrativa a função do rei, suas qualidades e sucesso e, por fim, seus fracassos e conquistas. No caso de Saul, ele é retratado muito mais como um juiz do que como rei, de acordo com o episódio ocorrido em Jabes-Gileade (I Sm. 11). Porém, Saul não tinha firmeza espiritual nem um conhecimento consistente de Javé, afinal mal haviam saído dos quatrocentos anos de apostasia no período dos juízes. Entretanto Deus esperava de um rei muito mais do que de um juiz, e Saul não cumpriu essas exigências.

 

O capítulo 12 conclui que, o povo, ao escolher para si um rei, estava, na verdade, rejeitando o governo do próprio Deus. O povo pensava que a ausência de um rei os faria perder as batalhas pela permanência na terra prometida.

 

O texto mostra que, independente das falhas e fracassos de Saul, Deus estava disposto a dar a ele uma chance de desenvolver seu potencial. Isso nos ensina que Deus executa seus propósitos a despeito das falhas das pessoas que ele chama e convoca.

 

Os capítulos 13 a 15 vão apontar as falhas de Saul, que são anteriores ao seu relacionamento de Davi. O autor tem esse cuidado para mostrar que não foi Davi quem desqualificou Saul, mas ele próprio. O caso do sacrifício oferecido por Saul demonstra sua incapacidade de tomar decisões sábias em momentos difíceis, qualidade de um verdadeiro rei. Ao fazer o sacrifício Saul agiu conforme o modelo monárquico cananita, isto é, onde o rei também possui o ofício de sacerdote.

 

Os capítulos 14 e 15 continuam revelando a incapacidade de Saul de tomar decisões, e isto levou Deus a mandar Samuel ungir Davi como futuro rei de Israel. Daqui para frente a narrativa se volta para Davi e mostra como ele, mesmo sendo predestinado ao reinado, não tomou o trono de Saul. A narrativa apresenta três fatores para comprovar isso:

 

 

  • A hostilidade de Saul – Foi sempre Saul quem iniciou os confrontos com Davi.
  • A ausência de vingança por parte de Davi – Davi teve duas oportunidades claras de matar Saul, mas não o fez (I Sm. 24 e 26).
  • As afirmações de inocência de Davi no texto – Estas declarações são feitas por: Samuel (I Sm. 28:16-18); Abigail (1 Sm. 25:30); Jônatas (I Sm. 19:4-5, 20:14-15, 22:16-18); e pelo próprio Saul (I Sm. 20:31, 24:16-22, 26:21-25)

 

Os sucessos de Davi são descritos em II Sm. 5 – 9. Este trecho mostra a instituição de Jerusalém como nova capital quando a Arca da Aliança é trazida e restaurada à sua função. Este texto mostra como Davi firmou o trono de Javé em Jerusalém (capítulo 6) e, como Javé firmou o trono de Davi (capítulo 7) por meio da sua aliança.

 

Os capítulos 10 a 20 focaliam a família de Davi e como seu pecado causou a tragédia que se instaurou até o fim de sua vida. Dificilmente pode ser casual a perda de quatro dos seus filhos (seu filho com Bate-Seba, II Sm. 12; Amon, 2 Sm. 13; Absalão, II Sm. 18 e Adonias I Rs. 2) após Davi ter decretado a restituição redobrada quando da acusação apresentada pelo profeta Natã a Davi.

 

A aliança e a unidade do reino estavam em perigo por consequência dos erros de Davi, mas a narrativa mostra que Deus, apesar dos erros de Davi, ainda o apoiava, mesmo que outras pessoas estivessem contra ele.

 

Os capítulos 21 a 24 focalizam a ação divina contra Davi por meio de fome e praga, mas ainda sim mostram como Deus o apoiou, deu-lhe vitória (II Sm. 22) e firmou sua aliança com ele (II Sm. 23:1-7).

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Propósito e conteúdo

 

Apesar da ênfase histórica, o principal objetivo do livro de Samuel é teológico, isto é, ele não foi redigido para documentar a história propriamente dita, mas para mostrar como se deu a aliança com o Rei Davi e como a autoridade divina é obedecida ou desobedecida, bem como suas consequências.

 

A arca da aliança

 

A arca da aliança era o objeto religioso mais importante de Israel, pois representava a presença de Deus no meio do seu povo.

 

Os ídolos foram proibidos na religião israelita para evitar-se a manipulação da divindade pelas pessoas, entretanto a arca, por vezes, passou pelo mesmo problema. Lemos no relato de I Samuel 4 que os filhos de Eli tentaram usá-la para esta finalidade, pois, em tese, a divindade israelita não se deixaria capturar pelos inimigos. Javé, entretanto, não se deixa manipular, então a arca não foi capturada, mas deixou Israel (I Samuel 4:21).

 

A autonomia da arca, que operava somente por ordem de Javé, foi provada quando  ela retornou a Israel numa carroça sem condutor (I Samuel 6:10-16). A arca não deveria ser tratada apenas como uma relíquia, os episódios da praga entre os filisteus (I Samuel 5), das mortes em Bete-Semes por sua profanação (I Samuel 6:19-20) e o castigo de Uzá (II Samuel 6) mostram que Javé se manisfestava por meio da arca independentemente de qualquer ritual humano.

 

Por isso, sua instalação em Jerusalém, por ocasião da conquista de Davi, não foi um mero ritual, mas sim a aprovação divina do reinado de Davi.

 

O Salmo 78 dá detalhes sobre a teologia da arca.

 

Monarquia

 

A monarquia em Israel era uma premissa divina (Jz. 8:23; I Sm. 8:7). O rei deveria manter a justiça, o padrão ético do decálogo.

 

No período dos juízes Javé convocava um libertador sob semanda para executar este propósito, porém o povo considerava a monarquia mais durável, desta maneira não haveria a necessidade de esperar um próximo libertador.

 

Não havia nada de errado em pedir um rei, pois era propósito de Javé que isso acontecesse (Dt. 17:14-20). Porém, foi a espectativa do povo de achar que o rei teria sucesso onde Deus não tivera que recebeu sua reprovação de Javé.

 

Veja em I Samuel 8:20 a perspectiva do povo sobre o primeiro rei de Israel e compare com o relato apresentado em I Samuel 17. A conclusão é que o rei não lutou as batalhas pelo povo, mas o Senhor venceu a batalha pelas mãos de Davi. Inclusive a recompensa que Saul oferece para quem lutar prova sua indisposição à luta.

 

O verdadeiro rei entendia que quem luta e vence é o Senhor, portanto a monarquia não substituía o governo de Deus, mas representava sua própria atuação no meio do povo.

 

 

A aliança davídica

 

A aliança de Javé com Davi é um tema imporante no Antigo Testamento, e suas implicações o transcendem, por isso temos de analisar três aspectos dessa aliança:

 

 

a) A promessa de Javé a Davi – A promessa de Javé feia a Davi é semelhante à promessa feita a Abraão. As tabela abaixo demonstra isso:

Promessa Abraão Davi
Tornar o nome famoso Gn. 12:2 2 Sm. 7:9
Dar terra Gn. 12:7 2 Sm. 7:10
Segurança Gn 12:3 2 Sm. 7:10-11

 

De acordo com a tabela acima verificamos que a promessa de Javé a Davi é englobada pela promessa feita a Abraão, havendo uma espécie de subordinação daquela a esta.

 

A partir de 2 Sm. 7:12 temos uma distinção da promessa feita a Davi, quando menciona-se que o descendente de Davi seria seu sucessor, ainda que haja certa semelhança com a promessa de descendentes feita a Abraão. A descendência de Davi teria a oportunidade de ocupar o trono sucessivamente.

 

Embora a Bíblia mencione que esta aliança seria eterna, fica claro que, no caso da quebra desta aliança por parte do homem Deus também estaria desobrigado de cumprir sua parte. Para outros exemplos do uso do termo “para sempre” veja os seguintes textos: 1 Sm. 1:22; Dt. 15:17; Jr. 17:4. A promessa continha o aspecto da disciplina e não da rejeição como fora com Saul (2 Sm. 7:14). O texto de 2 Sm. 7:29 demonstra que Davi entendeu os termos da aliança quando pediu que Javé abençoasse sua sua descendência continuamente.

 

 

b) A natureza da aliança – O texto de 2 Samuel 7 não impõe condições à aliança davídica, mas observamos em outros textos que esta aliança estava sujeita à renovação de tempos em tempos, apresentando um caráter condicional: 1 Reis  2:4;  1 Reis 6:12; 1 Reis 9:4-5. Em 1 Reis 8:25 Salomão declara ter conhecimento da cláusula condicional da aliança feita a Davi. Este textos comprovam que o termo “para sempre” deve ser entendido como indefinido, isto é, por tempo indeterminado. Os registros bíblicos nos dão conta de que a promessa a Davi foi cumprida, mas, dali paa frente caberia a seu filho cumprir sua parte neste acordo.

 

 

c) Os impactos da aliança – A aliança foi anulda com a desobediência de Salomão? O texto de 1 Reis 11:32-39 trata sobre este assunto. Aqui vemos a bondade e graça de Deus, pois Salomão poderia ter seu reinado terminado, mas Javé, por amor a Davi, permitiu que Salomão fosse até o fim. Em 1 Reis 11:38 um acordo semelhante foi feito com Jeroboão, e aqui temos a reafirmação da promessa feita a Davi (ver 2 Crônicas 21:7 e Salmos 89) e o despontar da esperança messiânica, que traria a restauração da aliança davídica. Jeremias 33:14-22 é o texto no Antigo Testamento que tratará de forma mais clara sobre este tema: o messias que trará a renovação da aliança davídica. Durante todo este tempo não houve mais um rei davídico no trono de Israel, e o Novo Testamento reconheceu em Jesus o descendente de Davi que traria esta renovação, conforme Mateus deixa claro em seu evangelho. Ao satisfazer as condições que o Messias deveria ter, Jesus abre o caminho para o reino que será eterno.

 

 

Avaliação de Saul

Saul é conhecido em seu reinado, especialmente durante o destaque que o texto dá a Davi, como alguém invejoso e atormentado. Entretanto nem sempre el foi assim. A Bíblia o descreve antes de seu reinado como alguém tímido, sincero e agradável, ou seja, o tipo de pessoa que todos escolheriam para ser rei.

 

Em 1 Samuel 10:10 temos a informação de que o Espírito do Senhor o capacitou para reinar em Israel, contudo, em 1 Samuel 16:14 o Senhor retirou seu Espírito de Saul, que perdeu a capacidade divina de governar ao não tomar boas decisões e não preservar a justiça.

 

Porém, antes mesmo do Senhor ter tirado seu Espírito de Saul, podemos verificar que nem tudo estava bem com ele, pois, mesmo sendo sincero, sua espiritualidade era superficial. Ele mostrou isso quando desconsiderou a função de Samuel (1 Samuel 9:10-15). Temos este veredito também no episódio que ele oferece o sacrifício antes da batalha (13:8-12), e no qual deixa de executar o rei Agague (15:13-35).

 

Quando, ao final de sua vida, Saul recorre à medium de En-Dor (1 Samuel 28), fica provado que ele nunca entendeu alguns princípios fundamentais da teologia hebraica. Provavelmente Saul jamais entendeu que Javé era difierente dos deuses cananeus, que se deixavam manipular pelo sistema religioso. Ele não era diferente em nada de um israelita comum desta época, embora o rei, como representante de Javé ao povo, deveria ser diferente.

 

 

Avaliação de Davi

A tendência natural ao lermos os relatos bíblicos é desprezar a Saul e, em consequência desta reprovação, aprovar incondicionalmente a Davi. É certo que a percepção teológica de Davi era muito mais aguçada que a de Saul, contudo devemos saber que Davi cometeu erros gravíssimos.

 

Davi deixava-se levar pelo momento, sem refletir em suas consequências. A tabela abaixo ilustra bem este fato.

 

 

Pecado Consequência Referência
Mentira Morte de inocentes 1 Samuel 21-22
Raiva Risco de assumir o trono 1 Samuel 25
Conspiração internacional Morte de civis 1 Samuel 27
Cobiça Adultério e  Assassinato 2 Samuel 11
Negligência paterna Desunião familiar 2 Samuel 13 e 14
Orgulho Devastação da nação 2 Samuel 24

 

A despeito de todos esses erros, a Bíblia mostra o quanto Davi amava a Deus e fora leal com ele. A Bíblia mostra seu profundo arrependimento e o quanto ele prezava as leis de Javé. Por isso a opinião equilibrada do escritor dos livros de Samuel sobre Davi é prova de que estamos todos sujeitos ao pecado e à falta de bom senso, porém a devoção e o amor de Davi a Javé e sua Lei eram o seu diferencial.

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Milhoranza

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