(Trecho de carta escrita por Paulo Wright à esposa Edi, 1970)
Depoimento do reverendo Jaime Wright, irmão de Paulo:
“O telefone tocou. ‘Alô?!’ Era a voz mansa e inconfundível de Paulo. ‘Podemos nos encontrar hoje às 14:00 horas na Praça da Sé?’ ‘Sim.’ No esquema combinado, nos encontramos às 15:00 horas na Praça da República. Eram tempos de ditadura. Clandestinidade. Conversávamos sobre família e, principalmente, teologia. Lembrei-lhe que João Calvino também viveu na clandestinidade, adotando nove codinomes diferentes.
Nas lembranças da nossa infância, em Santa Catarina, destacamos a ousadia dos nossos pais, ambos missionários norte-americanos. Tiveram a rara intuição de que seus filhos precisavam estudar na convivência diária com outros brasileiros e não numa escola segregada para americanos em São Paulo. Fundaram uma escola nos salões de madeira da Igreja Presbiteriana de Herval, na margem esquerda do Rio do Peixe. (Joaçaba está no outro lado do rio.) Sabiam eles os riscos que corríamos, estudando e convivendo com os amigos do dia-a-dia. Com descendentes de italianos, alemães e poloneses – além da gente cabocIa – aprenderíamos cada palavrão…
Lembrávamos também a coragem de ‘Dona Bela’, nossa mãe, que, contrariando a vontade de papai, pegou um trem e viajou até o Rio de Janeiro para buscar recursos para a instalação do primeiro posto de puericultura na região. Sentou-se na sala de espera de Dona Darcy Vargas, presidente da LBA, informando que dali não sairia até ser atendida. Voltou triunfante para casa. (O posto funciona até hoje.)
Exemplos missiológicos assim, fora do seu tempo, contribuíram para torná-lo um leigo cristão irrequieto e inconformado e, sobretudo, corajoso. Estava identificado com os sofrimentos e necessidades do seu povo.
Sua preocupação com a condição dos operários levou-o a trabalhar na construção civil em Los Angeles, nas férias dos seus estudos de pós-graduação. Fundou, nos Estados Unidos, um grupo contrário à discriminação racial. Estava fazendo doutorado em sociologia quando foi convocado para a guerra da Coréia. Fugiu dos Estados Unidos para não perder sua cidadania brasileira. Foi procurado pelo FBI.
De volta ao Brasil e casado com Edimar Rickli, engajaram-se num projeto da Igreja Presbiteriana do Brasil nas fábricas paulistas. Fez-se torneiro mecânico e atuou no bairro operário de Vila Anastácio. Foi golpeado pela morte do seu primeiro filho num hospital do antigo IAPC, quando a criança nasceu desassistida por médicos e enfermeiras. Jurou que iria lutar para que isso não se repetisse na vida de outros operários.
Paulo sempre fez dos seus dias a matéria prima de suas ações. Voltando a Santa Catarina, ajudou a criar os primeiros sindicatos de Joaçaba, inclusive o dos metalúrgicos. Foi o primeiro candidato protestante à prefeitura. Perdeu por 11 votos. Foi eleito para a Assembléia Legislativa. Denunciou o controle de grupos oligárquicos do Estado sobre a pesca. Organizou 27 cooperativas de pescadores em todo o litoral catarinense, reunindo-as, em seguida, numa Federação (FECOPESCA) para colocar o controle da pesca nas mãos dos pescadores (o que inspirou Dias Gomes, na primeira novela em cores da Globo: O Bem Amado).
Na véspera do Natal de 1963, sofreu atentado a mando do partido de Adhemar de Barros, mas convenceu o ex-sargento contratado para matá-lo de que tal crime seria contrário aos interesses da sua classe. Tornou-se ‘bode expiatório’ quando, em 1964, a Assembléia Legislativa foi pressionada pelo Regime Militar a cassar alguém ‘corrupto’ e/ou ‘subversivo’. Acabou sendo cassado por ‘falta de decoro parlamentar’ (não usava gravata e paletó quando subia à tribuna…).
Asilou-se no México e voltou um ano depois. Começavam seus dias de atividade subterrânea como líder do movimento Ação Popular, originário dos egressos dos movimentos estudantis cristãos banidos: Juventude Universitária Católica (JUC) e Associação Cristã de Acadêmicos (ACA). Viveu oito anos na clandestinidade. Nos primeiros dias de setembro de 1973, foi sequestrado pelo II Exército e levado ao DOI-CODI de São Paulo, onde foi morto por torturas nas primeiras 48 horas do seu cativeiro. Até hoje não se sabe o que fizeram com seus restos mortais.
Ruas em quatro capitais ostentam o nome de Paulo Stuart Wright. Na capital do seu Estado, todas as Igrejas se fizeram representar na cerimônia de inauguração da rua que passa ao lado da Igreja Metodista, menos a Presbiteriana. Lá, ele tinha sido eleito presbítero. Com o seu ingresso na ‘política’, a igreja de Florianópolis lhe proibiu de fazer oração e dirigir classe de Escola Dominical. Pelo visto, a anistia ainda não chegou ao presbítero (leigo) que teve a coragem de levar suas convicções cristãs às últimas conseqüências.”
Depoimento de Delora Jan Wright, sobrinha de Paulo:
“Isso aconteceu em São Paulo, Capital, possivelmente nos dias 2, 3 ou 4 de setembro de 1973. Segundo informações de Osvaldo Rocha, dentista, militante político da APML [Ação Popular Marxista-Leninista], na ocasião do desaparecimento de Paulo, ambos estavam juntos num trem que ia de São Paulo a Mauá, na grande São Paulo; nessa ocasião, ao terem percebido pessoas ligadas à repressão política, Osvaldo desceu do trem em primeiro lugar e Paulo teria descido em outro ponto.
Ao chegar em sua residência, localizada em São Paulo, Osvaldo veio a ser preso por policiais, sendo, em seguida, conduzido às dependências do DOI-CODI(OBAN), onde foi despido e agredido violentamente e, nessa oportunidade, viu no chão a mesma blusa que Paulo usava no trem que o conduzia a Mauá. Foram impetrados Habeas-Corpus pelo advogado José Carlos Dias em favor de Paulo Stuart Wright e Pedro João Tinn, nome falso usado por ele inclusive nos documentos pessoais.
Uma série de iniciativas foram tomadas visando a sua localização. A primeira providência no sentido dessa localização foi a ida do irmão, Jaime Nelson Wright, acompanhado de um Coronel, cujo nome é Teodoro Pupo, ao DOI-CODI, onde falaram com um Sargento, que demonstrava muito nervosismo. Após essa conversa com o sargento, este foi ver alguma coisa lá dentro, voltando meia hora depois, quando, então, informou que não havia ninguém com o nome de Paulo Stuart Wright.
Dias depois, houve uma outra iniciativa, no sentido da localização de Paulo, quando um Pastor Metodista que tinha relações de parentesco com o Major Ustra e se dispôs a ajudar a família. O Pastor informou os familiares de Paulo que o Major Ustra mostrou a ele, nas dependências do DOI-CODI, uma pasta onde constava apenas o título de eleitor de Paulo Stuart Wright e que não tinha nenhuma notícia do paradeiro do mesmo. O Major Ustra não soube justificar os motivos pelos quais não tinha notícia do paradeiro de Paulo.
Uma dentista, cujo nome é Marlene de Souza Soccas, contou ter sido presa em 1970, ficando detida nas dependências do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), onde pôde ver um painel com várias fotografias de Paulo, o que, desde então, indicava que o mesmo já era procurado pelos órgãos de repressão.
Além das iniciativas tomadas pelos familiares de Paulo, no âmbito nacional, outras tiveram ensejo no Forum Internacional, em virtude da sua dupla cidadania. Foram feitas junto ao Departamento de Estado e ao Senado, nos Estados Unidos, sendo certo que as autoridades brasileiras continuaram negando a prisão de Paulo Stuart Wright, entendendo que se tratava de uma ingerência do governo norte-americano, até porque Paulo havia sido Deputado do Parlamento Brasileiro, mais precisamente na Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Apesar de todos os esforços empreendidos pelos familiares, Paulo até hoje não foi encontrado e a convicção de que foi assassinado, está baseada em declarações prestadas por terceiros que constam entre os documentos do Projeto ‘Brasil Nunca Mais’.”
A respeito de sua militância e desaparecimento, ver o livro “O Coronel Tem Um Segredo: Paulo Wright Não Está em Cuba”, de Delora Jan Wright, Editora Vozes, São Paulo.
Pela palavra de Cristo, revolução!
(Matéria de Luis Fernando Assunção para o Jornal A Notícia, Joinville, em 01/07/03)
De sólida formação religiosa e intelectual, ex-deputado estadual Paulo Wright abriu mão de tudo para lutar por liberdade
Era mais um dos tantos encontros perigosos naqueles terríveis anos de repressão. De codinome Pedro João Tim, Paulo Stuart Wright saiu de uma das casas onde se escondia alguns dias por semana no centro de São Paulo e seguiu em direção à Estação da Luz ao encontro de dois companheiros. Em seguida, entraram no trem em direção a Santo André. O amigo baixinho e o amigo estudante perceberam que estavam sendo seguidos e pediram que Paulo disfarçasse. Com a blusa de frio no braço, deixou cair no chão o jornal inseparável, deu uma olhadela pela volta e compartilhou a mesma sensação: estavam sendo seguidos. Decidiram descer do trem. O baixinho primeiro, o estudante depois e Paulo por último. Depois disso, o catarinense Paulo Stuart Wright não foi mais visto com vida. Preso, torturado e assassinado, seu corpo até hoje não foi localizado.
Paulo Stuart Wright, filho de pastor presbiteriano, nasceu em Herval, distrito de Joaçaba em 2 de junho de 1933. Sexto filho de um casal de missionários que desenvolvia um trabalho religioso na região do Vale do Rio do Peixe, Paulo cresceu rodeado por forte controle paterno contrabalaçado com uma educação sensível da mãe. Ouvia diariamente histórias que dona Bella lia, em inglês, antes de dormir. O reverendo Wright atribuía obrigações severas a todos os filhos: ajudar nas tarefas de casa, cortar lenha, cuidar da pequena roça, ajudar no fabrico do suco de uva, aprender ofício e seguir os ensinamentos da Bíblia.
Com nove anos, Paulo vivenciou a sua primeira grande perda: dois de seus irmãos morreram afogados no rio do Peixe. Conheceu então a coragem da mãe, o sofrimento resignado do pai e o medo de nadar. Passado o choque, Paulo passou a fazer visitas com os pais a residências, ouvindo seus problemas e levando conforto às famílias. Concluiu o primário e foi estudar em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Jogava basquete, vôlei e futebol. Acabou se apaixonando por uma paranaense chamada Edimar Rickli, com quem casou, mais tarde. Ele já concluíra o científico e se preparava para estudar nos Estados Unidos, costume entre os filhos de missionários da igreja Presbiteriana. A família e a mulher cultivavam as palavras de justiça e honestidade de Paulo mas não entendiam muito aquela mania de sempre visitar orfanatos e asilos, conversar e brincar com crianças sem família e idosos desamparados.
Até o pai o censurava, porque sempre doava seus próprios sapatos a quem mais precisasse. A mulher, Edi, sabia que atitudes como essa de Paulo em breve trariam problemas muito mais sérios. E assim se deu. Paulo retornou de estudos nos Estados Unidos cheio de novas idéias e velhas certezas: o seu lugar era onde pudesse ficar ombro a ombro com injustiçados e daqueles que buscassem transformação. Casou no final de 1956, em Curitiba. Com a morte da mãe, voltaram para Joaçaba, onde Paulo empregou-se de torneiro mecânico e em pouco tempo fundou o sindicato dos metalúrgicos.
Filiou-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e aceitou, aos 25 anos de idade, candidatar-se a vereador. Não foi eleito. O casal mudou-se para São Paulo, onde Paulo ampliava suas atividades políticas e religiosas. Em 1960, a família voltou para Joaçaba, onde Paulo se candidatou a prefeito da cidade. Tinha 27 anos e uma popularidade em alta. Teve 4.276 votos contra o candidato da UDN, que fez 4.284.
A decepção o empurrou para Florianópolis, como diretor da Imprensa Oficial do Estado. Foi eleito em 1962 deputado estadual pelo Partido Social Progressista (PSP). Ligado a movimentos populares e operários, Paulo defendeu esses interesses enquanto esteve na Assembléia. Seus discursos no plenário incomodavam até mesmo a membros da mesa. Começava a pressão por sua renúncia. Os suplentes reagiam: “Ele tem idéias comunistas.” Era final de 1963 e Paulo elaborava um projeto para organizar cooperativas de pescadores no Estado.
Com o golpe, Paulo teve seu mandato cassado. Acuado, perseguido, ele deixou o País. Seguiu para Cuba, via México. Voltou ao Brasil um ano depois e começou a militar nos movimentos revolucionários. Ingressou na Ação Popular (AP), onde atuou por oito anos na clandestinidade. Chegou a ser expulso da igreja Presbiteriana — atitude revista pela igreja depois dos anos de ditadura. Nos primeiros dias de 1973, num dos anos mais sangrentos da repressão, se viu preso logo depois de descer do trem em direção a Mauá. Levado ao DOI/Codi de São Paulo, foi morto sob tortura nas primeiras 48 horas do cativeiro. Sua blusa de frio foi encontrada no chão da sala de interrogatórios. Até hoje a família carrega a angústia de não ter encontrado seus restos mortais.
Fonte : Acervo digital do Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=320
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