
O caminho da biblioteca da minha universidade até o auditório do curso de humanidades passa por sobre um lago ornamental pouco profundo. Digamos que, a caminho de uma das minhas palestras, eu perceba que uma criancinha caiu no lago e está correndo risco de se afogar. Será que alguém negaria que o primeiro pensamento que lhe ocorreu era o de que eu entrasse na água para tirar a criança? Isso significará ficar com a roupa enlameada e ter até de cancelar minha palestra, ou mesmo atrasá-la, até que eu econtre algo seco para vestir; mas comparando com a morte evitável de uma criança isso é insignificante. Um princípio plausível que sustentaria a opinião de que eu deveria retirar a criança é o seguinte: se está ao nosso alcance impedir que algo muito ruim aconteça sem, com isso, termos de sacrificar qualquer coisa de significado moral comparável, devemos assim proceder. Esse princípio parece incontestável.
Não obstante, [esse princípio] é enganoso. Se fosse levado a sério, nossa vida e nosso mundo seriam fundamentalmente mudados. Pois o princípio aplica-se não somente às situações raras em que alguém pode salvar uma criança de um lago, mas à situação diária em que podemos ajudar aos que vivem em extrema pobreza. Não ajudar seria errado, seja ou não intrinsecamente equivalente a matar.
Peter Singer em Ética prática, citado por Richard Stearns em A grande lacuna, a omissão que compromete a missão.
A imagem que ilustra o post é uma interferência urbana do artista inglês Banksy.