Sangue

[dropcap]S[/dropcap]eria uma segunda-feira normal? Ando pelas ruas de minha cidade, Curitiba, acreditando que sim. São 07h30min da manhã e o movimento já é intenso na rua XV de Novembro dentre as pessoas que não tem tempo a perder. Um café, um pão de queijo, lendo o jornal enquanto engole mais um bocado daquela comida que foi feita pela Dona Maria, assalariada, divorciada, que tem a filha que sonha em ser “médica de bicho” e um filho que, coitado, sonha em ser algo mais que um viciado em Crack. Na rua ninguém esbarra em ninguém, todos estão voltados para suas preocupações, seu mundo, seu mundinho sem se dar conta que existem pelo menos mais um milhão de pessoas perdidas nesse país acordando com as mesmas preocupações, vivendo a mesma vida de plástico que eles vivem. Ando mais um pouco e vejo uma marca de sangue no chão, marca grande demais para ser de um animal penso eu, algo parece ter sido arrastado ali. Mas o que? Quem? Por quê? Penso que poderia ser um homem, meu raciocínio é lógico, homens morrem mais de morte violenta que mulheres nesse país. Penso então que uma vida se findou naquele local e isso me soa injustificável afinal nenhum motivo é suficientemente válido para a morte de alguém, e me entristeço. Paro por alguns minutos, vejo que a marca de sangue foi varrida e lavada, mas ainda assim permanecem vestígios do que antes corria dentro do corpo de alguém que tinha vida, pensamentos, frustrações, amores. Então meu pensamento é interrompido pelo som da cidade grande e saio dali pensando no aparente paradoxo: Enquanto uma vida se findou naquele local a cidade pede passagem para que milhares de outras continuem passado por ali na esperança de viver!

PS: Esse texto foi baseado em um dia meu,  e a disposição das palavras remete a uma técnica chamada fluxo de memórias usada por Graciliano Ramos em seu livro Angústia.

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