Em retrospecto, não é de estranhar que a tradição cristã tenha se apegado à porção menos subversiva e menos controversa da mensagem de Paulo. A insistência dele em sugerir que lutar contra a letra (na forma de leis e regulamentos) equivale a lutar contra a própria carne deve ter parecido exigente demais.
É mais conveniente para a perpetuação do sistema que Paulo seja lembrado como legislador e como conservador, não como proponente da igualdade no âmbito coletivo e da autodeterminação no âmbito pessoal. É mais conveniente para o estado de coisas que Paulo seja lembrado como defensor da ordem e não como campeão da liberdade, que seja celebrado como bombeiro que nunca foi e não como o incendiário que era. Em particular, devemos distorcer sua mensagem até que ela pareça ser uma conclamação à perpetuação da letra, não um desafio perpétuo a deixarmos a letra para trás.
Trecho de Na cama com a bíblia de Paulo Brabo
Kyrie eleison
A imagem que ilustra esse post é a obra O homem de asas negras de René Magritte, um surrealista mais tímido.