Chuva, a gente, a cidade e a lua.


Moro em Blumenau. Cidade que passa um rio no meio, e que acaba de passar pela maior enchente desde 1984. Estou trancado a dias em casa. Comendo daquilo que comprei no mercado, horas antes do rio subir pra valer: bolo, salgados prontos, pacotes de carne moída, macarrão, e alguns produtos semi-cozidos. Fui privilegiado: a luz só saiu por 20 minutos e a internet e telefone não pararam de funcionar em nenhum momento. Mas toda a minha vizinhança inclusive prédios muito mais novos, altos e suntuosos do que o meu, ficaram sem luz por mais de 24 horas. Me senti num dos únicos pontos luminosos da cidade. O meu prédio, velho e simplezinho, como um porto seguro em meio a uma cidade inteira sendo engolida pela água e pela escuridão.

Não dormi direito até agora acompanhando os jornais nessas últimas horas, e entre uma cochilada e outra corria pras janelas para ver se a energia elétrica tinha voltado para os meus vizinhos: nada tinha mudado. Como não havia nada pra fazer dentro de casa, algumas famílias saiam para as partes secas da rua com suas crianças. O som dos carros já não se ouvia a muitas horas. Só o som do vento, dos pássaros, das goteiras dos telhados e das crianças brincando. Mas não muito longe daqui, fui informado de vários acontecimentos ruins. No twitter li retuites, pedindo resgate em locais específicos, onde familias estavam ilhadas sobre o telhado das próprias casas após ter perdido tudo, até mesmo com crianças de colo recém nascidas. A calmaria de um lado, a agitação do outro.

E nessa paisagem contrastante de água e terra, luz e escuridão, guerra e paz, foi possível ver o ser humano como ele é. No que ele deposita valor, no que deposita confiança, no que acredita que seja vida e no que acredita que seja morte. Eu não sei bem porque catástrofes acontecem. Mas de uma coisa eu tenho certeza: elas revelam muito mais de nós, do que de Deus, da natureza ou de qualquer outra coisa. Faz poucas horas que a luz voltou em todo o meu bairro. E quando a luz voltou, uma festa imensa aconteceu nas janelas dos prédios: “Agora eu vou tomar banhoooo!”- gritou uma menininha. A cidade, agora está sob um manto estrelado e a lua brilha em zênite.A vida é assim mesmo. E assim ela segue.
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