Noitepassada estava de plantão e sob meus cuidados estava um Senhor que apresentavao quadro de um câncer em estado avançado. Seu corpo apresentava lesões ulcerativas em região sacra, trocantérica, membros superiores (mãos) einferiores (pés). Sua respiração era ofegante e este apesar de lúcido era poucoresponsivo a estímulos verbais apenas murmurando palavras desconexas quando mobilizávamo-lo.Confesso que vendo aquele homem moribundo em minha frente condoí-me mais que ousual e pensei que, apesar de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ser umlugar repleto de pessoas, profissionais da área de saúde, especialistas no cuidado,uma pessoa que morre lá está mais sozinha que em qualquer outro lugar.
Penseiem como teria sido a vida daquele homem, suas realizações, suas lutas, seusfracassos, será que passara fome? Será que foi pai? Foi então que comecei a meperder em meus sentimentos: E se este homem fosse um alcoólatra que agredia suafamília? E se ele traia sua esposa com alguém (uso a expressão alguém porquehoje em dia pode ser com Homem ou Mulher)? E se este homem moribundo que estavaali deitado inerte e sofredor fez algo horrível em sua vida? Algo quedesmerecesse o que estava sentindo por ele. Sei que um princípio básico docristianismo é não julgar, mas nos machucamos tantas vezes na vida poracreditar nas pessoas que esse reflexo de defesa passa a ser instantâneo esempre que isso ocorre acabo me fechando ao toque do Espírito Santo e fazendoexclusivamente meu trabalho. Não me entenda mal, não trato mal a ninguém. Façopior que isso: Não o trato bem!
Fazemosisso em nossa vida diariamente com mendigos, prostitutas, viciados,homossexuais e até com políticos. Olhamos para os frutos acreditando ter plenoconhecimento da árvore. Vemos o resultado errôneo na prova sem sequerprocurarmos na descrição do raciocínio o que aconteceu para que o resultado nãoatendesse ao esperado. Consideramos que ao conhecer a ideologia de alguémpodemos julgar seu caráter.
Quandocomecei a pensar desta maneira deformada sobre aquele pobre homem resolvi darum basta na situação pensando: “Não interessa a vida que este homem teveninguém merece morrer assim!”. Em poucos segundos comecei a sentir um amor tãogrande por aquele homem que cheguei a pensar que antes fosse eu do que ele naqueleleito. Acho que naquele instante, naquela solitária sala de UTI durante amadrugada fria e desligado dos ruídos do mundo finalmente ouvi o Espirito Santoque, sem se interessar com minha vida pregressa ou meus pensamentos decondenação resolveu me tocar.