Tenho um pouquinho mais de uma década de integração numa comunidade aqui na cidade. Desde então, nunca a abandonei, apesar de dificuldades de todos os tipos e tamanhos. Sempre acreditei que faz parte do ser cristão se manter firme em circunstâncias nem sempre apraziveis. Porque é nas situações de tensão que o caráter do cristão se explicita como real ou como uma farsa. É no estiramento dos nossos limites que vemos até onde conseguimos agir e pensar com base no amor de Jesus Cristo. Nesses doze anos, me coloquei dessa maneira. E pretendo continuar aprendendo cada vez mais a exercer um amor mais parecido com o amor de Cristo, nesses limites que me deparo no mundo da igreja. Mas nessa caminhada, de estar associado a uma comunidade, o próprio exercício do amor, me trouxe uma noção muito profunda do quão suficiente ele é. E justamente por ser suficiente, confesso que, com certa resistência no inicio , tive que concluir, que o amor é exclusivista, ou seja: nao conjuga com muitos dos efeitos diretos das engrenagens do sistema eclesiástico.
Existe uma noção a muito tempo esquecida: para amar como Cristo amou não se faz necessário uma serie de coisas que muitas vezes são vistas como essenciais. Coisas essas que um dia foram inventadas,apresentadas e vendidas como soluções alternativas ao trabalho árduo do amor direto ao próximo, para problemas que muitas vezes nunca existiram. Tudo em prol de facilitar o que jamais deveria ser visto como algo a ser facilitado ou até mesmo simplificado: o amor. E justamente por isso que o amor não pode concordar com qualquer coisa que simplesmente foi criada e selada como “boa”. A começar pelo nome: o amor não está preso a um. Nem tampouco tem simbolo ou marca. Ele não tem slogan. O amor não transita a vontade dentro de um design rigido. Não tramita no esquife das regras. Amar não necessita de passo a passo, não acontece por protocolo, não cabe em estatuto, não pode ser contido numa blueprint arquitetônica. Amar não conjuga com o fator da obrigatoriedade. Amar não necessita de ordem de envio. Amar não exige os trilhos do ativismo eclesiástico para acontecer. Vai muito além deles. O amor não necessita de um lugar para existir, nem de teto para subexistir. O amor não precisa de metas para acontecer. Ele é a meta.
Ou seja, o amor de Cristo não está livre de um caráter exclusivista, ou seja, que exclui, por suficiência, uma série de coisas. Outro fator é a liberdade. O amor jamais pode ser amor sem estar de mãos dadas com a liberdade. Ou seja, tudo que anula, sufoca, simplifica, burocratiza a liberdade, sutil ou escancaradamente, é contra o amor. Questiono: será que a Igreja atual tem exercido um amor verdadeiro para com os perdidos, com todo o ensinamento sobre amor que detém baseado em Cristo e toda liberdade que lhe foi dada para isso? Porque se a igreja de hoje quer amar os perdidos de forma completa como propõe na teoria, talvez precise desistir de tudo aquilo que muitas vezes, lhe tira a liberdade para amar. É fato: nada, absolutamente nada pode ser colocado acima do amor simples e prático de Jesus Cristo, que nos salvou e pode salvar a vida de muita gente. Me parece que hoje em dia não basta ser Cristão e amar de forma simples e direta. É preciso ser Cristão “e” alguma coisa, algum nome, alguma bandeira, alguma marca.
Certa vez um teólogo afirmou que esse “E” é o “demônio”. Tenho que concordar com ele. Fica a minha indagação: porque que muito cristão tem carregado no peito um orgulho contido dessa parafernália de mecanismos que tenta dar nome, símbolo, logomarca, slogan, e uma série de instruções para o simples e prático amor de Jesus Cristo. Juro que tento entender, mas não entendo. Alguem certa vez replicou: todo conteúdo inevitavelmente é contido numa embalagem ou numa casca. Pergunto de volta: estamos falando de um produto ou estamos falando do Reino de Deus?