Introdução
Em meu último post, sobre músicas do mundo que me edificam, houve certo alvoroço, que sinceramente não havia planejado. Não serei hipócrita em dizer que isto em parte foi bom, pois foi um post bem comentado e gerou um bom tráfego de visitas ao blog.
Porém, devo confessar também certa decepção, pois o tema da coluna é sobre músicas do mundo que me edificam, e não bandas do mundo que me edificam. Logo, um artigo que era para ser restrito à música (letra) acabou se tornando uma discussão sobre a banda que executa a música.
Pois bem, para aqueles que ainda acham que a música cristã sempre foi “santificada” preparei uma pesquisa sobre a origem das músicas que hoje compoem o hinário de grande parte das igrejas chamadas históricas.
Me perdoem o tamanho deste post, mas para o entendimento completo deste assunto, e o aprofundamento desta discussão, era necessário que fosse assim.
A influência anglo-saxônica
Devido à forte influência que recebemos de nossos principais evangelizadores, os americanos, temos que observar qual foi a tradição musical que eles herdaram, e conseuquentemente nos deixaram como herança. Isto é fundamental para podermos compreender como foi a mudança pela qual a igreja brasileira passou em sua liturgia, e porque houve essa mudança.
Em um primeiro momento, na Inglaterra do século XVII os hinos não existiam como expressão de culto para todas as pessoas. Os hinos então, foram escritos para os aristocratas e tocados em suas capelas particulares, por músicos profissionais, já que eles podiam pagar por isso. A maioria dos hinos mais tradicionais nos hinários ingleses, e por extensão em nossos próprios hinários, que hoje são comuns, foram criados nestas circunstâncias.
Um motivo bem santo e cristão não é mesmo?
As primeiras músicas e hinários
Uma das primeiras tentativas de criar hinos congregacionais veio de Benjamim Keach. Em 1697 ele publicou uma coletânea de 37 hinos, que mais tarde, no século XVIII, começaram a aparecer em suplementos nas coleções de Salmos, como o Divine Companion.
O homem que abriu uma nova etapa na hinologia cristã foi Isaac Watts (1674-1748), cujos hinos são cantados, ainda hoje, em muitas das igrejas evangélicas históricas. Uma das razões destes hinos atravessarem os séculos, é a habilidade que ele tinha de sintetizar a experiência cristã universal, que todos os crentes poderiam identificar. Com raras exceções, eles devem ser entendidos como arte popular.
No século XIX, nos Estados Unidos, os americanos mais cultos e refinados em sua formação musical eram apoiados pelos europeus, e para aumentar ainda mais sua qualidade, era esperado que fossem estudar na Europa diretamente, se estivessem dispostos. Homens como William Mason (1829-1908), John Paine (1839-1906), Horatio Parker (1864-1919) dentre outros, foram treinados na Alemanha ou Áustria e retornaram aos Estados Unidos para escreverem suas músicas.
Paine, como muitos outros compositores, foi um organista cristão nas igrejas em torno de Boston, e encorajou as igrejas a adotarem o estilo de música clássico europeu na liturgia dos cultos, além de escrever suas próprias músicas.
Música secular adaptada para o culto cristão
Porém, muitas igrejas não tinham condições de ter um coral e orquestra. Então, para suprir esta necessidade, começaram a formar quartetos vocais operísticos. Os cantores eram colocados nos púlpitos e cantavam passagens “cristãs” dos trabalhos de Rossini e outros, além de algumas adaptações de óperas. Logo, muitas de nossas músicas cristãs tradicionais surgiram de compositores e músicas não cristãs.
Dudley Buck (1839-1909) escreveu inúmeros hinos para estes quartetos, em inglês e latim. Era um tipo de música mais informal, sem a necessidade de tanta técnica ou aparatos. Aqui começa o início da influência musical vinda de fora da igreja.
Um pouco antes dos anos 70, nos Estados Unidos, os hinos tradicionais foram repentinamente banidos da liturgia. Um surto de criatividade irrompeu de cristãos envolvidos com o movimento carismático. A ênfase estava no dom do amor, claro que não o mesmo amor livre e irresponsável dos anos 60, mas, mesmo assim, carregando um pouco da influência do movimento hippie. As novas canções tinham a mesma estrutura de verso-refrão das músicas tradicionais, mas a produção musical estava em um nível mais elevado que no passado. Assim surgiram os primeiros “hinetos” que os jovens começaram a cantar nos cultos junto com os hinos mais tradicionais.
Conclusão
O mundo sempre passou por mudanças, e continuará passando. É uma tendência humana querer melhorar, mesmo que o resultado muitas vezes não seja o esperado. O contra-ponto destes movimentos de mudanças é o fato de alguns setores da sociedade, ou do grupo em questão, estarem resistentes a qualquer mudança. Então, em toda época, há este paradoxo social, de querer a mudança e estar resistente a ela.
A igreja sofre, em um certo sentido, a influência do mundo, pois ainda está no mundo, não lhe é possível sair por enquanto. Quando a Bíblia diz para não tomar a forma do mundo, quer dizer para não absorver os valores deturpados do mundo e não há relação alguma com liturgia.
Durante a década de 60, o mundo experimentou muitas mudanças em todas as esferas. A igreja certamente não poderia ficar inerte diante de tantas mudanças, e precisou em alguns momentos se opor a estas mudanças; em outros momentos precisou se adequar às mudanças.
Nos dias de hoje, é praticamente inconcebível pensarmos numa igreja sem guitarras e amplificadores, assim como é dificil pensar numa igreja sem o seu hinário, coisas que, em épocas bem diferentes da história, foram um dia consideradas um tabu.
Cabe então à igreja a tarefa de separar o que são ensinos contrários à Palavra, e o que é puramente cultural, pois o evangelho não depende de cultura alguma.