Vivemos um tempo de excessos. Trabalho em excesso, consumo em excesso, atividades em excesso, informações em excesso, estímulos em excesso e até religiosidade em excesso. Temos perdido a capacidade de sermos moderados e não compreendemos o valor de viver, em tudo, equilíbrio.
O filosofo Byung-Chul Han diz que nossa sociedade esta cada vez mais cansada devido ao excesso de positividade. Essa positividade não está relacionada necessariamente a coisas que consideraríamos positivas (coisas boas), mas ao estímulo positivo, coisas que nos deixam ativos, alertas, que nós gostamos mas que não nos damos conta do quanto nos fazem mal.
Trabalhar é obviamente algo bom, mas não percebemos o quão pouco descansamos. A internet é algo bom, mas não percebemos o quão dependentes e consumistas ela nos torna, o quão ela nos frustra por nos dar a impressão de que não somos tão felizes e realizados quanto as pessoas que passam pelo nosso feed.
Nessa rotina, perdemos a noção da importância de fazer menos, a importância de não fazer, a importância de parar e desligar.
Deus descansou no sétimo dia; e é obvio que Ele não fez isso por estar cansado. Ele descansou porque é no descanso que mora o prazer de desfrutar daquilo que se fez. Sem o descanso, nada do que produzimos, no fim das contas, nos toca naquilo que é transcendente: a satisfação de ter feito. De desfrutar.
Nossa lógica associa o desfrute a fazer algo: comer bem, viajar, comprar algo caro, usar o dinheiro que batalhamos para conquistar (positivo). Mas, para Deus, desfrutar é intencionalmente não fazer nada (negativo). Descansar é uma ordem de Deus.
O rei Davi disse no salmo 131, “Senhor, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes. Não me envolvo com coisas grandiosas nem maravilhosas demais para mim” (v.1). O grande rei Davi dispensava as coisas grandes demais para ele, se satisfazia com o suficiente, se envolvia com o necessário. “De fato, acalmei e tranquilizei a minha alma. Sou como uma criança recém-amamentada por sua mãe; a minha alma é como essa criança” (v.2). A criança que acabou de mamar apenas desfruta da satisfação daquele momento.
Quando Jesus diz”Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso” (Mateus 11:28) ele promete apenas (e tudo isso): descanso. Se a sua relação com Deus e com a igreja não te permite descanso, talvez você não esteja se relacionando corretamente com Deus mesmo estando na igreja. Se nossa espiritualidade impõe pesadas cargas às pessoas, talvez estejamos reproduzindo uma relação de sociedade que Jesus veio abolir.
A relação com Jesus necessariamente produz descanso. Em Mateus 7 Jesus fala que no dia do juízo muitos dirão “Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?” (v.22) e ele responderá “Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal” (v.23).
Excesso de atividades, mesmo que tenha aparência de santidade, de forma alguma prova uma relação com Deus.
Com tudo isso não quero dizer que Deus espera de nós uma absoluta passividade e inatividade, obviamente. Mas quero dizer que se nossa atividade não abre espaço para o desfrute, para o descanso, para a partilha, para a generosidade, ela não é santa, mas pecaminosa, mesmo que seja feita no ambiente religioso. Foi para a vida que Deus nos criou, e nós honramos e louvamos a Deus por esse presente quando trabalhamos e descansamos nEle, porque é no descanso que habita a gratidão e a consciência de que tudo É dEle e vem dEle. Nessa perspectiva, o louvor não está no fazer muito, mas no desfrutar muito, e nós só desfrutamos quando fazemos menos e descansamos.
Texto por Hernani Medola.
