nós não queremos Jesus de verdade (uma mensagem de natal)

Outro dia, almoçando com alguns colegas de trabalho, surgiram algumas piadas relacionando os evangélicos às pautas de direita. Dois dias depois, na igreja, um irmão ironizou pautas da esquerda, gerando alguns tímidos risos da congregação. Ambas as situações não são raras, e é bem provável que você já presenciou ou até tenha promovido alguns desses momentos que dizem muito sobre nós e sobre a versão de “Jesus” que nós adotamos ao nosso bel prazer.

A história conta que Maria, já no fim da gestação e com o parto iminente, chega a Belém com seu marido, José, mas não encontram lugar para se hospedarem. Sim, a cidade estava cheia devido ao recenciamento, mas receber aquela mulher prestes a dar à luz significaria mais do que ocupar um quarto, significava ter uma pessoa impura na sua estalagem (após o parto, por lei, a mulher estava impura por pelo menos uma semana), o que significaria perder dinheiro, perder o conforto do ambiente, em um momento de lucros certos.

Nosso natal romântico, fofo, maquia uma mulher em dores de parto, em um ambiente sujo, mal cheiroso e pobre. Nós glamourizamos o natal. A vinda do messias é a vida eterna brotando em meio a miséria do nosso mundo e mudando, a partir do lugar de onde nada de bom poderia surgir, a nossa condição de condenados a morte. As pessoas que dormiam confortáveis em suas camas não se davam conta de que em um estábulo ali perto nascia Deus. As pessoas que festejavam suas miseráveis vidas em algum bar em Belém perderam a chance de ver a festa de anjos no céu, em um canto de júbilo tão avassalador que rasgou o véu entre a dimensão celestial e a nossa. Bateram a porta na cara de Deus, porque aquele Deus não lhes servia, contrariava seu conforto, prejudicava seus interesses.

Nós adaptamos Jesus às nossas vontades, o enquadramos em nossas pautas. O educamos e domesticamos para atender àquilo que é o nosso bom. Não queremos a mulher impura e seu bebê barulhento. Queremos nosso conforto, nosso lucro, nossos valores, nossa razão. E enquanto rimos, seguros em nossas estalagens limpas e assépticas, em nossos cercadinhos, em nossas igrejas e em mesas de restaurantes, o Jesus real nasce e é visitado por trabalhadores pobres do campo, por sábios estrangeiros que enxergaram na vastidão do cosmos a movimentação da criação que não queria perder o momento mais importante da história até aquele momento: o nascimento de Deus.

Toda separação que usa Jesus como argumento está errada. Porque o Jesus real sempre esteve, do momento em que nasceu até o momento em que foi morto, nos lugares em que ninguém mais gostaria de estar, e que por isso estava aberto a qualquer um que quisesse se achegar. Seja ao pé da manjedoura ou ao pé da cruz, todos são bem vindos e todos estão juntos, porque seja lá de lado se vem, chegar perto já é motivo suficiente para sermos irmãos.

Texto por Hernani Medola.

Posted in Artigos and tagged , , , , .