Você já deve ter ouvido alguém dizer (se é que você mesmo já não disse) que o céu será um lugar chato. Muito parado, acético, monótono.
É claro que “chato” e “legal” são percepções pessoais e subjetivas. O que é chato para alguém e legal para outro alguém. E também podemos concordar que nossas experiências são importantes influências para aquilo que gostamos ou não. Dificilmente alguém que jamais teve acesso a música clássica vai gostar de assistir uma orquestra, alguém que nunca teve acesso a livros dificilmente gostará de ler, quem se habitua a uma vida sedentária dificilmente gostará de fazer exercícios, e por aí vai.
O que temos de descrição da eternidade no céu são alegorias. Tentativas de expressar algo que é inexplicável. Achar realmente que a compressão humana é capaz que entender a eternidade é um equívoco. Dentro dessas alegorias, podemos afirmar que na eternidade teremos paz, alegria, prazer, descanso, justiça, amor, igualdade, abundância. De “bate pronto” é difícil alguém que não considere essas coisas desejáveis, sobretudo se pensarmos que viveremos esse estado eternamente e que o oposto a elas é bastante desagradável, pelo menos conceitualmente.
Mas a realidade é que quando tomamos consciência da eternidade, quando entendemos que já estamos nesse relacionamento com o Eterno e participamos desse movimento de amor e graça, começamos naturalmente a nos moldar ao que é a eternidade na presença de Deus.
Em algumas tradições cristãs acredita-se no purgatório. Um estado, lugar ou condição onde as almas que ainda não estão prontas para entrar no céu passam por uma preparação ou purificação. Mas talvez o purgatório, como período de preparação para a eternidade, seja o aqui e agora. Talvez a vida que levamos, o jeito como manifestamos aos outros nosso relacionamento com Deus, seja a própria forma onde nossa alma é moldada ao que fomos criados para viver na eternidade.
Desse ponto de vista, pouco a pouco, a medida que me relaciono com Deus, minha vida manifesta e erradia paz, alegria, amor, justiça, generosidade… e isso de forma tão surpreendente e abundante que é o próprio testemunho deo amor e da graça de Deus, de uma verdade e realidade que só pode proceder de algo melhor do que a nossa decadente condição no mundo. Não foi isso que fez a igreja cair na graça do povo em Atos? Não foi sua ortodoxia, sua santidade, seu zelo, mas a maneira como expressava no mundo a condição celestial.
Da mesma forma, gente violenta, mesquinha, intransigente, orgulhosa, briguenta, altiva, dificilmente encontrará prazer em uma vida eterna de paz e amor. Gente que está sempre azeda, inquieta, sempre buscando “pano pra manga”, sempre pronta para o embate, para humilhar os outros, para levar vantagem. Pessoas que estão tão deturpadas que no fim das contas não vão querer o céu, porque tudo que o céu é, em si, as incomoda.
“Com a língua bendizemos ao Senhor e Pai e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca procedem bênção e maldição. Meus irmãos, isso não está certo! Acaso podem brotar da mesma fonte água doce e água amarga?” (Tiago 3:9-11)
A forma como vivemos e nos relacionamos são expressões de quem somos eternamente, manifestações da fonte a qual estamos ligados. Se assumimos a identidade de filhos de Deus, se aceitamos a adoção por meio do sacrifício de Jesus Cristo, começamos passo a passo a manifestar essa eterna salvação hoje, no nosso presente, porque o tempo é a forma como percebemos o que acontece eternamente.
Com isso vamos nos moldando ao que somos eternamente perante Deus. Mas se de nós só brotam amargura, maldição e chatice, talvez ainda não tenhamos dado o primeiro passo rumo ao céu.
Os chatos não herdarão o Reino dos Céus.
Texto por Hernani Medola.

