Deus não é um burocrata (ou: a sua fé te curou)

Você já percebeu que, após alguns milagres, Jesus despedia a pessoa curada com a frase “a sua fé te curou” e, em outras ocasiões, dizia “a sua fé te salvou”? As vezes a mesma história, em traduções diferentes, traz frases diferentes.

Acontece que curar e salvar são, no original grego, a mesma palavra (sōzō), que pode ser traduzida de uma forma ou de outra, a depender do contexto. Não só a palavra, mas também a compreensão de cura e salvação para o povo judeu do tempo de Jesus era essa; como dizer que alguém está salvo sem estar curado?

Lembra do paralítico levado pelos amigos até Jesus? Os religiosos se incomodaram quando Jesus perdoou os pecados daquele homem, sendo a cura física a confirmação da autoridade de Cristo para perdoar pecados. A interpretação de salvação como um fenômeno limitado ao pós-morte é muito mais nossa do que deles.

A morte do Papa Francisco trouxe à tona várias frases e vídeos com momentos marcantes de seu ministério. Em um deles, um menino de 6 ou 7 anos se aproxima do Papa aos prantos. Por não conseguir falar ao microfone, Francisco, carinhosamente, o convida a falar em seu ouvido. Após conversar com o garoto (e com a autorização dele), o Papa contou a todos o motivo do pranto: o pai do garoto era ateu e havia morrido, e o menino, chorando aos soluços, perguntou ao líder da maior organização religiosa da cristandade se seu pai foi para o céu.

A resposta religiosa seria curta e cortante: não. O ateu, obviamente, não havia cumprido os procedimentos e protocolos necessários para se obter a salvação. Tudo baseado no grande livro de regras, com referências e circunstâncias muito bem fundamentadas. Para a religião, Deus é um grande burocrata, um carimbador maluco gritando: “Pluft plaft zum, não vai a lugar nenhum!”. Não cumpriu as regras, não fez os ritos, não pagou as taxas!

Essa religião teria condenado ao inferno não apenas o pai do garoto, mas o próprio garoto também. Como amar um Pai que matou seu pai — um homem bom, conforme o testemunho da criança — e o condenou? Seguir regras por medo do inferno não é o método de Jesus de Nazaré. A fé de Jesus salva, cura, acalma, conforta.

Graças a Deus pela vida, ministério e sabedoria de Francisco, que deu a resposta que facilmente podemos imaginar na boca de Jesus: “Deus, sendo um Pai bom e amoroso, abandona um pai bom e amoroso?” Vá em paz, meu filho. Vá curado. A tua fé te salvou.

Texto por Hernani Medola.

Posted in Artigos and tagged , , , , , .