
“O bem vai vencer o mal.” Essa foi uma das frases usadas pelo governador de São Paulo ao discursar na manifestação patriota (cercado por bandeiras estrangeiras) na Avenida Paulista, neste 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil.
Para além de todas as ironias que compõem essa cena (e são muitas), a frase nada original, usada pelo provável candidato à presidência, marca sua entrada não apenas na aparentemente inevitável radicalização exigida de quem quer ter chance de conquistar as odiosas multidões, mas também na colocação da carapuça da Teologia do Domínio. O discurso de “bem contra o mal” é constantemente ouvido em palanques políticos lamentavelmente coalhados de líderes religiosos, que empregam a retórica do púlpito para capitalizar a fidelidade política das “ovelhas”.
E por que esse discurso é tão poderoso? Porque a religião esclarece, ao seu bel prazer e interesse, o que é bom e o que é mau, manipula a realidade para estabelecer sua própria verdade e oprimir as pessoas, capitalizando para si o poder de quem se diz detentor da autoridade para apontar quem é “do bem” e quem é “do mal”.
Quando Jesus debate com os religiosos em Mateus 23, não usa meias palavras: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês percorrem terra e mar para fazer um convertido e, quando conseguem, o tornam duas vezes mais merecedor do inferno do que vocês” (v. 15); “Serpentes! Raça de víboras! Como vocês escaparão da condenação ao inferno?” (v. 33).
Um meio comprovadamente eficiente de mentir é usar uma verdade e enxertá-la na mentira que se quer promover. A metodologia das fake news usa constantemente esse artifício, e a política é craque nessa técnica. Lembra do slogan político “E a verdade os libertará”? Quando o governador de SP diz que “o bem vai vencer o mal”, ele está usando uma verdade profética quase consensual. Afinal, quem não deseja que o bem vença o mal? A questão é: nesse contexto, o que ele quer dizer exatamente? Quem é o bem e quem é o mal nessa fala? O STF é o mal e ele próprio é o bem? O Lula é o mal e o Bolsonaro é o bem? A esquerda é o mal e a direita é o bem?
Biblicamente falando, não. “Não já um justo sequer”, “o bem que eu quero, esse eu não faço, mas o mal que eu não quero, esse eu faço”, “Porque todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”… Não é necessário muito esforço para concluir que a necessidade de redenção, de uma vitória do bem contra o mal, está derramada sobre todos nós indistintamente.
Então, quando alguém se coloca na messiânica posição de “salvador da pátria”, de portador da “verdade” e do “bem”, cuidado. Porque, para além de todos os problemas que todos nós temos, esses falsos profetas ainda tem a coragem de manipular o poder da religião, de profanar o que é sagrado, para obter lucro e poder.
Como escreveu C. S. Lewis, “De todos os homens maus, os maus e religiosos são os piores.”
Texto por Hernani Medola.
