“[…] Eu posso pensar, sem farisaísmo ou hipocrisia, que é justo defender minha casa à força contra um ladrão; mas, se começo a fingir que o esmurrei por motivos puramente morais, ignorando totalmente o fato de que a casa em questão era minha, torno-me intolerável. O pretexto de que estamos do lado da Inglaterra [ou da Igreja, ou da minha Igreja] quando a causa da Inglaterra é justa – como se cada um de nós fosse um Dom Quixote neutro -, e apenas por esse motivo, é igualmente espúrio. E a insensatez traz consigo o mal. Quando a causa de nosso país é a causa de Deus, a guerra é necessariamente uma guerra de extermínio. Atribui-se uma falsa transcendência a coisas que são claramente deste mundo.” (Os Quatro Amores, p. 42).
O alerta de C. S. Lewis permanece contundente. Minha militância (seja ela patriótica, sindical, eclesiástica, etc.) torna-me intolerável à medida em que se pretende lançar acima de si mesma, ignorando a força de suas afeições meramente humanas, mundanas. Toda militância que se supõe puramente ética, divina, torna-se intolerável e violenta. Isso me remete à postura reativa aos conflitos sociais decorrente do último pleito eleitoral. Várias lideranças evangélicas, buscando uma postura moderada, se apresentaram como sendo a única opção verdadeiramente cristã para a resolução do conflito.
Estes, capazes de caminhar sobre as águas revoltas da ideologias, arquimedianamente fora da história, contemplam a batalha dos mortais, cujas esperanças oscilam sempre entre o ruim e o pior. Os Dom Quixotes neutros, agem apenas por sua devoção a Deus, têm somente nele Esperança, e jamais se abalam. Mas será mesmo?
Pelo quê vocês lutam? Estão certos de que sua causa é a causa de Deus? Nossa mais pura intenção precisa ser avaliada. Somos muito piores quando supomos ser bons. Na realidade, evitamos a todo custo essa porção de humano que em nós habita. O lamento paulino sobre esse corpo de morte que arrastamos na existência é reinterpretado como sendo nossa própria humanidade. Queremos é ser Deus mesmo. Os Dom Quixotes neutros lutam a batalha dos deuses. Não defendem seus interesses, suas posição social, sua classe, seu corpo, só lutam pela causa divina e nada mais.
Esse herói ético ignora que ele mesmo tenha paixões muito mundanas, cotidianas, comuns. Essas mesmas paixões que levam os demais mortais a digladiarem-se na arena pública, “por causa de política”.
Seu dom de ser neutro,
impassível,
apolítico,
supraideológico,
pode te elevar puro aos Céus,
mas terá custos na História.
Eu temo como os pastores moderados, Dom Quixotes neutros, irão enfrentar os desafios que temos a frente. Em nome de sua santa neutralidade, não poderão condenar a incompatibilidade existente entre a fé cristã e o bolsonarismo. Terão de conviver pisando em ovos (de serpente) para não serem vistos como comunistas.
Enquanto batalham nos ares contra o dragão do comunismo, (ou seria um moinho de vento?) perdem a batalha aqui na terra, contra estruturas que promovem violência muito real cotidianamente.
Fingem não ver um ministro dos Direitos Humanos que diz: “Vocês existem e são valiosos para nós”. Claro, precisam ser neutros. De forma recalcada, se apressam em delinear a diferença entre discurso e prática, diante da imagem histórica de representantes do povo brasileiro entregando a faixa presidencial. Pois não podem ter paixão ou ídolos políticos (apesar da facilidade com que convivem com mitos).
Tínhamos uma quadrilha no governo, que parasitou todos os símbolos nacionais, e também da fé cristã, atribuindo transcendência a seu projeto de poder. O ídolo foi quebrado. Quem, apesar de suposta neutralidade, nesse momento fala em “retrocesso” (sic), precisa reavaliar onde esteve nos últimos quatro anos.
Gustavo Marchetti é pai, esposo e doutorando em Educação Física | estudos históricos e socioculturais.
Também faz transporte de deliciosos bolos de rolo, adoçando a vida dos irmãos do sul do Brasil.
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