Meu nome é Berura

Shalom! Meu nome é Berura. Hoje vou contar o que aconteceu comigo um tempo atrás.

Era ainda madrugada, mas, já estávamos todos de pé, apenas ouvindo. Na verdade, eu estava quase cochilando, o sol não tinha nem nascido e naquele dia eu não queria ter levantado tão cedo. Eu estava com taaaaaanta preguiça, mamãe havia me colocado para fazer várias tarefas na cozinha no dia anterior. Queria dormir, mas, papai chamou um por um para irmos atrás daquele homem. Afinal de contas, quem era ele?

Olhando rapidamente, não parecia ter nada de especial nele. Era um rosto comum. Poderia até ser meu tio, ou um primo bem distante. Usava roupas iguais às de qualquer outro homem. Em silêncio e da distância em que estávamos, poderia passar despercebido. Teriam que apontar para ele para identificarmos quem era esse tal Rabi. Só foi ele abrir a boca para todos entenderem que não se tratava de qualquer um.

Eu tenho que admitir: ele sabe arrastar uma multidão apenas com suas palavras. Dá até um calor gostoso no coração, como se um sol nascesse dentro da gente depois de uma noite bem fria. Já vi todo tipo de multidão, alguns homens conseguem com dinheiro, outros com violência. Só que essa multidão se reunia por outro motivo – esperança.

Enquanto eu estava deitada no colo da mamãe, me deliciando com o discurso do Rabi (mas, confesso, ainda com aqueeela preguiça), um grande grupo se aproximou com bastante gritaria, fogo e pedras. Nos levantamos e papai nos abraçou, já calculando uma rota de fuga. Mas, não saímos de lá, eu sentia que precisávamos ver o que iria acontecer.

O grupo era formado de Perushim e Soferim. Todos eles muito irados e falando ao mesmo tempo. Desde os mais velhos até os mais novos do grupo vociferavam condenações, suas caras raivosas distribuíam perdigotos e empurravam quem demorava muito a sair da frente. Até então, eu não tinha visto a mulher. Somente depois de ter sido empurrada do meio deles aos pés do Rabi.

Finalmente, conseguimos entender o que diziam:

– Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.

O ar ficou pesado. Todos pararam de falar. O calor no coração se dissipou instantaneamente. Todos olhavam para o Rabi, que parecia leve como sempre. A cena toda era um grande contraste, como se um grupo de cães nervosos cercasse um calmo cordeiro. Mas o Rabi nem se abalou. Parecia pouco temer qualquer reação violenta. Tanto é que, em silêncio, se inclinou e começou a escrever no chão com o dedo. Só se ouvia o choro da mulher.

O burburinho correu rápido como um raio pela multidão. Alguns teciam comentários maldosos, outros diziam “as pedras vão rolar”. Teve gente que não quis esperar ver sangue e foi embora, certos de que ali mesmo haveria um apedrejamento. Eu não conseguia tirar os olhos do Rabi. Diante de tudo o que ele ensinava, ele também condenaria aquela mulher? Ela merecia, não merecia? Por que ele não dizia nada? Era a Lei, era só cumprir!

Os perushim não estavam satisfeitos e voltaram a insistir. (Mais tarde, ouvi papai dizendo que tudo aquilo foi uma grande armadilha deles, para conseguirem alguma prova para condenar o Rabi). Como persistiam, finalmente o Rabi se levantou e disse:

– Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.

E voltou a escrever na terra.

Meu queixo caiu. Eu vi muitos ficarem estupefatos com a resposta. Como uma flecha certeira, tocou no ego de todos os presentes. Os rostos ficaram vermelhos de vergonha (e raiva também). Pareciam ser feitos de cera, derretendo com o calor da condenação sobre suas próprias cabeças. Começando pelos anciãos orgulhosos até os jovens impetuosos, um a um foi largando sua pedra e saindo de fininho. A vergonha atingiu até alguns dos que o ouvia. O Rabi aguardou o movimento acabar, levantou e disse:

– Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

– Ninguém, Senhor!

– Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais.

O sol começou a nascer no horizonte e juntamente, a esperança de uma nova vida também nasceu em mim. Esse Sol da justiça derreteu toda dúvida, fez as sementes brotarem em meu coração, floresceu a paz.

 

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Até a próxima!

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