Pleno mês de março venho falar sobre meu sonho de princeso. Já falei um pouco no Facebook semana passada, mas quanto mais eu penso, mais eu desenvolvo esse sonho e essa ideia. A base é a mesma: uma igreja que os membros se reconheçam como pecadores e falhos; vivam sob amor e misericórdia; sob compaixão e fé. Uma igreja em que os membros saibam reconhecer as diferenças e amar na discordância. Que os debates, como de Pedro e Paulo existam, mas subsista o amor, e nele, a unidade.
Atenção: o texto abaixo é uma experiência pessoal e o relato dela. Tenho certeza que existam comunidades X, Y e Z que ultrapassem esse mar de mediocridade que alcançamos – e convido você, leitor, a falar sobre ela nos comentários.
É até ridículo de tão simples, e eu desconheço um cristão que não tenha esse desejo. Toda congregação que se vá, da pentecostal à reformada, da congregação à metodista, dos amilenistas aos anglicanos, se fala na Unidade da Fé Cristã.
Há 10 anos, quando o movimento underground estava pegando fogo no país, eu sonhava com essa igreja, e meu sonho parecia cada vez mais real. Criticávamos o “vem assim como estás” das congregações tradicionais, que excluía metaleiros, cabeludos e tatuados. Reclamávamos que se impunha uma veste, um modo de vida, um isolamento do mundo, uma imposição torturante de meios de vida e formatações de relacionamentos. Nesse meio tempo, propunhámos abraçar e amar LGBTs, pedir desculpas pelas falhas da igreja histórica e prometíamos ser melhores que nossos pais na fé; dar um passo adiante.
Lutávamos para que as pessoas pudessem encontrar uma comunidade em que ela se sentisse amada, respeitada, incentivada a prosseguir no caminho da fé, independente de por onde ela tenha passado anteriormente. Hoje, o nosso próprio vem como estás não chama mais por ninguém. Abraçamos os arrependidos, mas impomos metas de arrependimento e mudança de vida. Tratamos a conversão e a caminhada cristã como uma corrida – não aquela corrida que fala Paulo, mas como aqueles fliperamas de Daytona USA, em que o novo convertido precisa chegar no próximo checkpoint em uma quantidade determinada de tempo, antes de desistirmos deles.
Eu lembro da época do impeachment, que os grupos de igrejas – e até muitos púlpitos – foram envolvidos em mensagens ideológico-políticas. Criticamos aqueles que faziam isso, mas ao mesmo tempo, abraçamos as fake news. Abraçamos a luta contra uma ideologia de gênero, defendemos o papel do feminino como contraposto ao feminismo. Rimos do Malafaia sem bigode, mas seguimos os seus passos de cabeça baixa.
Quando acordei, meu sonho tinha se tornado um pesadelo. Hoje, conquistamos o nosso próprio vem como estás, mas graças às fake news que nos embriagamos. Vem como estás, mas não vá me defender bandido porque bandido tem que morrer. Vem como estás, mas não tem como ser cristão e comunista. Vem como estás, mas direitos humanos é coisa de vagabundo. Vem como estás, mas o feminismo está destruindo nossas famílias. Vem como estás, mas ideologia de gênero quer transformar nossa criança em gays. Vem como estás, mas não dá pra defender o desarmamento da população civil. Vem como estás, mas mulheres sejam femininas e não feministas. Vem como estás, mas homossexual quer privilégio. Vem como estás, mas…
Afinal, porque respeitamos a luta do Doutor Martin Luther King, com seus discursos fortes, passeatas e protestos em defesa dos direitos humanos aos negros; mas a luta feminista por direitos das mulheres é motivo de escárnio e tida como o caminho para a subversão dos valores cristãos?
Se for pra inventar regras doutrinárias baseadas em opiniões pessoais, e que tem tanta sustentação bíblica quanto a fronha abençoada que é capaz de proteger o seu sono das influências de maus espíritos, a gente podia ter deixado a galera de terno e bíblia debaixo do braço fazer o trabalho, porque pelo menos ação social e evangelismo eles faziam, néah?
A igreja ideal, de fato, não existe e nunca existirá. Mas será que nós, ao propormos um modelo novo, não conseguiríamos nos diminuir a ponto de que as pessoas vejam Cristo em nós, em vez de propor métodos para que as pessoas consigam ver a Cristo?