Reflexão retirada do livro O Problema do Sofrimento, que também faz parte da coletânea de devocionais Um Ano com C. S. Lewis.
O livro O Problema do Sofrimento traz reflexões sobre um tema muito pensado mas pouco discutido pelos cristãos: o sofrimento.
POR aproximadamente cem anos, nós nos concentramos tanto em uma das virtudes – “bondade” ou misericórdia – que muitos de nós sentimos que nada possa ser realmente bom, a não ser a própria bondade, e que só a crueldade possa ser realmente má. Percursos éticos desequilibrados como esse não são incomuns, e outras eras também tiveram as suas virtudes de estimação e as mais estranhas formas de falta de sensibilidade. E se uma virtude devesse ser cultivada em detrimento de todas as outras, não deveria haver nenhuma com reivindicações superiores às da misericórdia – pois todo cristão deve rejeitar aquela detestável propaganda enganosa a favor da crueldade, que tenta toda a misericórdia do mundo chamando-a de nomes tais como “humanitarismo” e “sentimentalismo”. O problema é que a “bondade” verdadeira é uma qualidade fatalmente fácil de atribuir a nós mesmos, por motivos bastante inadequados. Todo mundo se sente benevolente se não tiver nada com que se aborrecer no momento. Assim, o homem facilmente se consola por todos os seus demais vícios, movido pela convicção de que “o seu coração está no lugar certo” e que ele “não faria mal nem sequer a uma mosca”, enquanto na verdade ele nunca empenhou o menor sacrifício em favor de alguma criatura companheira. Nós nos achamos bondosos quando na verdade não somos mais do que felizes; não é assim tão fácil, pela mesma razão que nos imaginamos moderados, castos ou humildes.
– de The Problem of Pain [O Problema do Sofrimento]