Em defesa dos bandidos

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Não é de hoje que eu escrevo aqui para falar mal desse e daquele pastor, cantor gospel e político evangélico. Não que eu tenha alguma coisa contra os evangélicos como um todo, mas para quem me acompanha a mais tempo sabe que minha crítica não se sustenta apenas no caráter estético das músicas ou por birra pessoal contra determinadas figuras desse cenário, mas numa análise que remonta à construção da identidade do evangélico brasileiro ao longo da história.

Dois esteriótipos que se repetem no alvo das minhas críticas são o do GRANDE LÍDER CARISMÁTICO DE IGREJA NEO PENTECOSTAL e o EX ARTISTA EM DECADÊNCIA QUE SE TORNA EVANGÉLICO E SE UTILIZA DA POPULARIDADE PARA INGRESSAR NA CARREIRA POLÍTICA. Quantos são os nomes que podem se enquadrar nesses dos campos, e em cada nome uma série incontável de absurdos executados poderiam ser descritos.

Nesta semana que passou tivemos a oportunidade de verificar mais dois exemplos disso. O primeiro, protagonizado pelo ex-cantor sertanejo/romântico e atual deputado federal Marcelo Aguiar (DEM/SP), que é da (adivinhem) bancada evangélica, que propôs um projeto projeto de lei que prevê um “filtro” para que conteúdos pornográficos tenham transmissão interrompida nos celulares.

“Estudos atualizados informam um aumento no número de viciados em conteúdo pornô e na masturbação devido ao fácil acesso à internet e à privacidade que o celular e o tablet proporcionam”

É importante dizer que “ESTUDOS COMPROVAM” é um termo equivalente a “ME DISSERAM POR AÍ” e que propor uma lei como essa não passa de uma ação midiática para impressionar seu público alvo, como as ações do Alexandre de Moraes (PSDB/SP) para acabar com a maconha na América do Sul, duas propostas impossíveis que só darão mais visibilidade pra eles entre os conservadores burros como heróis e entre o restante da população, como piada.

O segundo, foi a tentativa de assassinato contra o auto-intitulado apóstolo Valdomiro Santiago, o líder máximo da IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS durante um culto, em um templo da igreja no Brás, Centro de São Paulo. Sem muitos detalhes, o que se sabe é que um jovem de 20 anos, Jonhatan Gomes Higino, que não tem nenhuma passagem pela polícia, pediu um abraço ao “apóstolo” e com a proximidade deu duas facadas no pescoço do Valdomiro.

Muita gente alegou que essa tentativa de assassinato é culpa do próprio Valdomiro, outros alegaram que o garoto tem problemas mentais, e durante uma entrevista o próprio Valdomiro sugere que possa ter sido algo planejado por outros líderes religiosos. O Certo é que teremos que aguardar o andamento dos trâmites policiais.

Mas qual é a relação entre os dois casos?

Além de terem sido protagonizados por figuras públicas do universo evangélico Brasileiro, e talvez até por causa disso, a coincidência entre os dois casos é a gigantesca repercussão entre as pessoas que odeiam esses indivíduos, e convenhamos, não é difícil odiar esse tipo de figura.

E como você já deve ter se adiantado pelo título, sim, esse é um texto em DEFESA DOS BANDIDOS.

O que mais me chamou a atenção no primeiro caso, foi a quantidade de pessoas postando vídeos do então músico, cantando suas canções de teor sexual como se isso fosse justificativa para desabonar a proposta atual. A proposta é ridícula, mas o fato dele ter vivido uma vida de liberdade sexual no passado, não é, em hipótese alguma, motivo para desabonar suas decisões hoje, ou as pessoas não mudam? Bem, se realmente concordarmos que uma conduta de anos atrás desabona as atitudes de hoje, seríamos obrigados a concordar com os que defendem a pena de morte.

Não quero com isso propor que o Marcelo Aguiar seja hoje um homem diferente ou coisa assim, na verdade nem o conhecia antes de toda essa treta ser levantada, mas parto de um pressuposto coincidente entre a esquerda e os cristãos, de que as pessoas podem melhorar e mudar suas atitudes se forem amparadas.

A conversão é uma questão chave na fé cristã. Sem a ideia de que uma pessoa que tem atitudes contrárias à logica do evangelho pode mudar diante de uma experiência com o divino, seja ela miraculosa, seja ela na vivência da comunidade, o projeto IGREJA se torna completamente desnecessário.

 No segundo episódio, o que me deixou ainda mais chocado é saber que muita gente cristã teve capacidade de fazer piada com a tragédia. Novamente, eu não gosto do Valdomiro, não tenho nenhuma simpatia por ele ou pela “teologia” que ele prega. Acredito que ele deveria ser preso e impedido de continuar com a empresa que ele criou e que chama de igreja, pela justiça dos homens e pela ação de Deus. No entanto, veja, um cara que eu DETESTO tomou uma facada no pescoço alguns dias depois de uma das maiores tragédias humanas, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), ganhar as manchetes do mundo com o massacre de 56 presos no primeiro dia de 2017.

Os reacionários saíram vomitando ódio aos detentos mortos, alegando que “Tinha mais é que matar mesmo” ou “Não tinha nenhum santo por lá”, incluindo algumas figuras públicas como o secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio (PMDB/MG), que “caiu” logo em seguida. E nós, os cristãos progressistas, saímos imediatamente em defesa das vidas que estavam lá usando toda a nossa lista de textos bíblicos que valorizam a vida, inclusive a vida de malfeitores, combatendo o ódio daqueles que seguem a Cristo mas acreditam que “bandido bom é bandido morto”.

Ora… Por que os bandidos do Compaj são dignos de nossa benevolência e a facada no pescoço do bandido no púlpito é motivo de piada?

Antes que alguém venha falar qualquer bobagem, já vou me adiantando. Sim, eu admiro muitos homens que cometeram assassinatos e atentados terroristas (silêncio…) em contexto diferentes dos que apresentei aqui e contra pessoas que, teoricamente, representavam muito mais perigo para a humanidade.

Não quero defender aqui os dois evangélicos por este serem evangélicos. Na verdade, não faço mais essa diferenciação há muito tempo. O que quero é defender o fato de que nós que temos a capacidade de olhar um pouco para além do que os pobres reacionários conseguem ver, temos que ser o vetor de justiça e não usarmos as armas da ignorância que eles usam.

Eu acredito que os bandidos podem mudar, podem deixar velhos hábitos e se tornar novas criaturas. Também acredito que criminosos devem ser julgados e condenados conforme os trâmites legais, sejam estes os nossos bandidos ou os bandidos deles, porque antes de qualquer coisa eu creio no texto que diz:

Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Mateus 6:33

E JUSTIÇA não é vingança. A JUSTIÇA DE DEUS é a oposição à INJUSTIÇA dos homens. Eu, você, o Marcelo Aguiar, o Valdomiro Santiago e todos os detentos do Compaj; somos todos injustos, todos bandidos… E que Deus nos defenda, uns dos outros

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Revisão: Marcelo Lazaroni

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