Separados?

Champaigne,Philippe de (1602-1674)Santidade é uma palavra tão vulgarizada na cultura evangélica contemporânea que perdeu seu sentido a muito tempo atrás, num tempo em que nem eu e nem você estávamos aqui para recordar e assim, sem me investir da cruzada de restaurar a essência do termo como se iluminado por Deus de maneira especial mas pedindo licença humildemente como mais um na multidão, pretendo, nessas poucas linhas, pensar um pouco sobre as implicações e sobre tudo o que puder extrair desse termo, a partir dessa minha precária avaliação filosófica e teológica.

SER SANTO, diriam alguns, é ser SEPARADO e é com essa prerrogativa inicial que muitos fundamentam uma mentalidade equivocada de que há uma divisão entre os SANTOS e os NÃO-SANTOS conferindo, portanto, aos santos, privilégios diante de Deus, que são negados aos NÃO-SANTOS. Estes privilégios são fundamentalmente o acesso exclusivo a DEUS mediante atitudes tomadas que vem a corroborar nosso status de SANTOS.

Bem, vamos fazer uma pequena retrospectiva para contabilizarmos algumas afirmações, anote aí no seu caderno (e me sinto muito honrado, em saber que um texto meu está sendo lido com um caderno de anotações aberto ao lado)

  1. Ser Santo é ser SEPARADO: concluí-se disso que existe uma separação entre dois grupos distintos: SANTOS e NÃO-SANTOS
  2. O que confere acesso a alguns ao grupo dos SANTOS são atitudes de acordo com a vontade de Deus, tomadas pelos candidatos ao grupo.
  3. Ao membro deste grupo, são conferidos privilégios que de modo geral, podem ser condensados em: ACESSAR DEUS DIRETAMENTE, de maneira a obter favores especiais dEle, os quais não seriam cedidos a qualquer membro do grupo dos NÃO-SANTOS.

Vamos dar continuidade.

Há, diferentemente de muitas religiões, uma figura muito importante dentro do cristianismo e que é pouquíssimo valorizada e pouquíssimo estudada na igreja cristã contemporânea e que por mais que eu mesmo não seja um grande estudioso sobre essa figura, tendo a acreditar que há uma urgência de conhece-lo mais, o minimo que seja. Essa figura é conhecida por alguns como Jesus Cristo. Cristo é, teoricamente, o principal personagem da historia do cristianismo ao passo que dividimos a bíblia (livro fundamento do cristianismo) e também a historia do mundo (mesmo sob protestos de alguns não-cristãos) usando seu nascimento como referencia e ainda assim, conseguimos de maneira muito eficaz, tratar a mensagem de Cristo de maneira a aperta-la, dobra-la e fatalmente corta-la, para que caiba dentro de nossas ideologias pessoais, criando um Cristo confortável que não nos incomode. Não pense que me coloco como o acusador, mas por experiencia própria.

Como sabem muitos, eu me posiciono à esquerda na esfera politica e econômica, e pra mim sempre foi muito, muitíssimo confortável afirmar que Jesus carrega um discurso comunista que se alinhasse com o discurso de Marx e outros pensadores do comunismo… BALELA! Jesus não era comunista por dois grandes motivos

  1. O suposto “inventor” do comunismo, Marx, nasceu, segundo a tradição cristã, 1785 anos depois da morte de Jesus, sendo assim, é impossível que JESUS fosse comunista, por uma questão lógica (essa lógica pode ser facilmente quebrada com argumentos TEOLÓGICOS e FILOSÓFICOS, os quais não irei expor aqui, pois não é o foco do texto, explorarei esse tema no futuro, num outro texto)
  2. Qualquer métrica de justiça que o marxismo proponha torna-se brincadeira de criança diante de um personagem que se entrega à morte em nome do outro. O cristianismo (como proposto pelo Cristo) e muito mais violento e auto destrutivo do que qualquer proposta humana.

Assim como o amigo conservador, assim como o amigo capitalista, assim como o amigo vegetariano, eu criei um cristo pra mim, exclusivo que atende a todos os meus interesses e não me atrapalha em nada, pois os seus textos que são contrários ao meu entendimento ideologico, geralmente eu abafo e coloco de lado. Mas o Cristo, que citei a pouco (talvez você não tenha ouvido falar dele, pois o verdadeiro Cristo é sempre lembrado nos becos escuros da cidade, entre a conversa de prostitutas e mendigos ) é para os cristãos a referencia máxima de santidade e um alvo que devemos objetivar. Mas como disse, os cristãos (eu e você) somos pouco interessados na figura histórica e mistica de Cristo, prova disso é que nos recusamos a seguir seus exemplos mais óbvios.

Cristo, SANTO e EXEMPLO, para os cristãos, não se furtava a presença dos desvalidos e desgraçados, pelo contrário, era, justamente acusado pelos religiosos da sua época por isso, visto que a cultura dos judeus apontava para uma clara distinção entre classes a qual a classe dos religiosos, dos santos, era a mais privilegiada e mais distinta de todas e para estes um mestre que se aliava e convivia com pecadores era tudo, menos um homem santo que servisse de exemplo. Assim, 2000 anos após a morte e ressurreição do Deus encarnado para se fazer de exemplo de santidade, ainda estamos acreditando na vil mentira de alguns lideres religiosos de que santidade é se separar dos que não são tão bons quanto nós, quanto os da nossa classe.

Pela lógica desse mesmos religiosos (de antigamente ou de hoje? Já não sei, sempre os confundo) o acesso ao grupo dos santos se faz por atitudes de ascetismo, de separação e para não ficarem de fora acabam agindo e pregando atitudes com o mais puro rigor teológico e conflitando diretamente com as atitudes e pregações daquele filho do carpinteiro galileu, gerando um conflito paradoxal.

Para ser um bom religiosos cristãos, deve-se ignorar ao máximo as teses propostas por atitudes e palavras do próprio Cristo. Quanto mais cristão, menos CRISTÃO

Entendemos, portanto, que nós cristãos (eu e você) ignoramos por completo o Cristo desconfortável, mutilamos suas palavras e atitudes para que caibam nas nossas ideologias e acreditamos que para ser um bom cristãos precisamos é fazer o oposto do que ele fazia… Leia esse capitulo em voz alta para tentar encontrar algum sentido nele, mas não tente esmagar o evangelho de novo para tentar se esquivar do messias.

O grupo de SANTOS que fazemos parte (eu e você, os evangélicos) é ainda descarado ao ponto de crer que, mesmo com a descrição horripilante do paragrafo anterior (aquele que você deveria ter lido em voz alta mas achou uma ideia idiota) temos privilégios diante de Deus, contrariando por completo a mensagem do Cristo, que mesmo sendo REFERÊNCIA DE SANTIDADE não se colocou à frente de ninguém reivindicando seus direitos, nem mesmo diante da morte e orando a Deus pais se propôs a dirigir a frase de alguém que não tem nenhum direito ou regalia e conta apenas com a graça e soma-se a isso, a consciência de quem é e de para o que serve.

“Pai, se queres, afasta de mim este cálice; entretanto, não seja feita a minha vontade, mas o que Tu desejas!”

— Lucas 22:42, Bíblia King James Atualizada.

E foi diante dessa frase que as luzes da esperança de sobrevivência do homem Jesus se apagam para que se manisfeste até as ultimas consequências o evangelho de Cristo Deus para se fazer o exemplo máximo de SANTIDADE e referencia absoluta para nos, cristãos (eu e você)

Diante da injustiça, irou-se e diante da vida sorriu, diante da morte chorou e diante de sua consciência nunca se furtou ao seu ideal e conciencia, abrindo mão das concessões obvias que se faria ao filho unigênito de Deus para fazer-se carne e sangue, medo e alegria aos miseraveis e grandiosos, aos religiosos e libertinos, aos escravos e livres, (eu e você) e assim incognicivel Deus pode ser tocado pelas mãos de cobradores de impostos, beijado pelos lábios de prostitutas, e ter a barra de suas roupas agarrada por crianças pelo caminho que passava, agarrado por pecadores de todos os tipos materializando-se em esperança para eles diante da ditadura de uma santidade vigarista e assombrada dos lideres religiosos que já não o enxergavam, pois o exemplo de santidade estava rodeado de pecadores, sendo referencia a eles de uma vida transformada enquanto a santidades dos santos (eu e você) não os permitia ver como o viam os desgraçados ao seu redor…

Posted in Artigos and tagged , , , , .