Por que você tem tanta dificuldade de orar?

 

Esse texto faz parte do livro “Oração?” que vai ser lançado pelo projeto Escreva essa História. No rodapé do texto tem mais informações sobre o livro.

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I.

A oração nada mais é do que parar a mente e o corpo pra que a gente possa estar com Deus. Ela não tem função, é inútil, sem utilidade. Isso não quer dizer que ela não tenha valor, que seja desprezível, muito pelo contrário isso só prova que ela precisa ser levada muito a sério. (Roger Scruton fala que aquilo que não tem utilidade é o que existe de mais importante para nós, seres humanos.)

Dá pra se fazer um paralelo entre oração e amizade. Amizade também é inútil, não tem utilidade. Quando uma amizade é baseada em algum interesse, uma troca, uma utilidade, ela é uma amizade falsa. Um exemplo: sou amigo de Heráclito Manaceia porque Manaceia é influente, conhece pessoas, me traz novos clientes etc; essa amizade é interesseira, se baseia nas vantagens que Manaceia pode me trazer. Logo, procuro manter as aparências para não desagradar meu amigo Manaceia, pois desagradá-lo pode significar perder todas as vantangens que essa amizade me traz. Se tenho que manter as aparências, nunca sou eu mesmo perto de Manaceia. Se nunca sou eu mesmo, Manaceia não me conhece. Se nós não nos conhecemos nossa amizade não é bem uma amizade.

Na oração é a mesma coisa. Se ela tem interesses ou utilidades ela deixa de ser oração.

II.

Nossa realidade contemporânea não contempla a oração como algo necessário à vida. O transcendental, o místico, o irracional, o emocional, não se constituem como elementos essenciais à vida urbana, ao nosso trabalho e à nossa realidade econômica.

Nós trabalhamos fora de casa. Nosso filhos estudam fora. Nossa comida vem de sabe Deus onde. Tudo coopera pra que, se não estivermos trabalhando, estejamos em trânsito. Com o corpo sempre sempre em movimento, a mente tem dificuldade de parar, pois ela vem sendo estimulada desde que éramos crianças. Desligá-la é, além de difícil, um sofrimento.

Não bastasse a vida conturbada, ainda temos as redes sociais, a internet móvel, o carro, o trânsito, o consumismo, a ansiedade etc que alimentam ainda mais nossa pressa e nossa necessidade de movimento. O mundo à nossa volta é inquieto. Se aquietar é ir contra nosso mundo, contra nossa natureza contemporânea, contra o homem moderno. Se aquietar é contra nossa cultura.

III.

As distrações são muitas. O movimento monástico é muito criticado, com certo nível de razão, mas ele tem uma característica interessante: os pais do deserto tentaram criar um santuário, um ambiente, onde as pessoas consiguissem se conectar com Deus. Além do ambiente, eles mantinham ferramentas como rezas, cantos, mantras, cuidar da terra e dos necessitados, que são auxílio para que até o mais fraco dos homens indisciplinados possa, aos poucos, através da insistência, ser seduzido a se dirigir e conversar com Deus.

IV.

Pra piorar a igreja, que poderia ser nosso santuário, cai nas mesmas metas e planos que são regra dentro do mundo empresarial. Não basta a regularidade de participação nos eventos que nossa comunidade local realiza, ainda nos colocam mais exigências: leia a Bíblia em um ano, ore pela Rússia, converta seu vizinho, evangelize o seu Antônio da padaria, contribua para a construção do novo templo; todas metas que se transvestem de boas intenções, de extensões das palavras de Cristo, mas geram uma culpa desnecessária e alimentam a competição entre os membros da igreja. Ao invés de dar esperança e auxiliar nas dificuldades específicas que cada irmão enfrenta, mede-se a fé de alguém por números ou práticas formais. Se nem na igreja temos tempo de parar e simplesmente buscar a Deus, onde mais vamos encontrar esse tempo de silêncio?

Nós acabamos terceirizando nossa responsabilidade espiritual. Tomamos como medida aquilo que nosso líder espiritual, nosso pastor, diz; focamos nossas forças nos louvores, no culto, no dízimo, na igreja. A responsabilidade de cuidar da nossa fé está mais ligada a ir ao culto e contribuir com as ações da igreja local do que com a oração, a meditação e a aplicação diária dos ensinos de Cristo em nossa vida. Acaba que medimos nossa fé com medidas exteriores, que foram impostas por alguém que não vive nossa vida.

Fica pior quando damos atenção pra regrinhas que parecem muito sábias, como ore antes de dormir, o melhor horário pra ler a Bíblia é logo de manhã depois de acordar, e assim vai. Essas regrinhas parecem dicas pra nos ajudar, porém muitas vezes atrapalham porque não cabem na nossa rotina diária ou não são compatíveis com nosso relógio biológico. Essas interferências externas atrapalham, trazem preocupações que estão mais ligadas a cumprir metas e prazos do que com a oração em si. Se não levarmos em conta que que somos pessoas diferentes, com realidades diferentes e até dinâmicas fisiológicas muito diferentes, nossa vida de oração nunca será como deveria ser (e esse deveria ser é, também, algo bem pessoal).

V.

Expectativas, ah as expectativas! Todos queremos ser heróis da fé. Queremos ser Paulo, queremos ser Davi, queremos ser Isaías, queremos ser Elias, quando na verdade eu estou mais para Jonas, para Eli, para Judas Escariotes. Gostaríamos de passar 3 horas diárias em oração fervorosa, contando todos os nossos podres pra Deus, sendo quebrantados e transformados pelo poder do Espírito Santo. Queremos algo que, sinceramente, acho que nem Deus espera de nós. Um coração sincero e disposto está mais próximo de Deus que o mais religioso dos homens, e na Bíblia não faltam exemplos pra afirmar isso.

Oração é uma das formas que temos de conversar com Deus, e um relacionamento tem momentos de abraços, choro e proximidade extrema, assim como momentos de leveza, de sorrisos, de distância, de saudade. Um relacionamento estável não é aquele que exige proximidade em todo tempo, mas aquele que se adapta a diferentes realidades, que percebe o momento e consegue agir de acordo com ele. Nosso relacionamento com Deus, e nossas conversas com Ele, acontecerão de acordo com nosso momento de vida e ela não é linear, é cheia de altos e baixos.

Talvez antes de dar a responder se você consegue ou não orar, deveria se perguntar o que espera da sua vida de oração e porque tem essa expectativa em relação à oração. Respondendo isso, você pode ir pro terceiro post dessa série e o quarto capítulo desse livro, que vai ter umas ferramentas pra ajudar a se acalmar e conseguir orar.


Se quiser saber mais sobre o Escreva essa História, temos uma página do Facebook que vai esclarecer suas dúvidas.

O livro vai ter quatro capítulos:

Prefácio do Cristiano Machado (somente publicado no livro)
Por que você tem tanta dificuldade de orar?
Por que eu tenho tanta dificuldade de orar
Como orar mais e melhor
Conselhos radicais (somente publicado no livro)

Se você tem interesse no livro, mande um email para escrevaessahistoria[@]gmail.com. A princípio a primeira impressão vai ter só 10 livros, mas dependendo da procura, esse número aumenta.

O livro provavelmente vai custar R$ 30,00 + frete, mas esse valor pode mudar.

 


Kyrie Eleison

A imagem que ilustra esse post é uma ilustração de William Blake, escritor, ilustrador, pintor e louco.

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