Normalmente começo meu ano descobrindo as músicas que perdi no ano que passou; a diferença é que nesse ano contribuo ao mundo de desinformados com minha própria lista. Escolhi 10 brasileiros e 5 gringos. Não tenho nenhum método de escolha além do meu próprio gosto musical. Comentários e dicas são bem vindos!
Só pra esclarecer (àqueles que se perguntam como Deus será louvado com esse seu texto), nesse ano pretendo ampliar o alcance da minha produção textual no Crentassos não limitando àquilo que comumente chamamos de “coisas de Deus”; abro o leque (e pretendo escrever mais sobre essa abertura) e começo o ano com boa música, afinal é bem melhor encher a cabeça com belas melodias e letras engenhosas do que a porcaria habitual que toca por aí.
Aí vai a lista (com links pra download quando o artista libera):
Brasil
1. Madrid
Ele, Adriano Silva — ex-Cansei de Ser Sexy; ela, Marina Vello — ex-Bonde do Rolê. Do hype eletro-rock e funk carioca curitibano para as belas canções na base da voz e piano. Em tempos de aparatos eletrônicos Madrid aparece com belas canções que soam pra lá contemporâneas. Arranjos mínimos, punk, rock’n roll, beleza e sutileza, combinação complexa e inimaginável que soa bela e natural.
2. Bahia Fantástica — Rodrigo Campos
Um violãozinho sutil, surge o sax acompanhado do baixo, teclado e bateria batendo em compassos africanos e a doce voz Rodrigo Campos abre as portas da sua mitológica Bahia Fantástica no belo interlúdio da faixa que abre o disco: Cinco Doces. Depois disso está tudo ganho, o afrobeat, o samba, a Bahia, o groove brasileiro a la Baden & Vinícius, Criolo, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Thiago França, a mistureba sonora, tudo converge pra canções bem urbanas com arranjos bem cheios e macios que nos contam histórias da praia, da Bahia, da rua, de ladrão, de amor… um disco delicioso de se ouvir.
3. Abraçaço — Caetano Veloso
Como não gostar, hein? Caetano vem a alguns discos caminhando por um rock mais moderninho, mas a seu próprio jeito, a seu próprio passo. É interessante ouvir como a voz de Caetano caminha pela canção de mãos dadas com a guitarra sútil que passeia na música. As letras são um petardo a parte, Caetano vive no mesmo mundo que o nosso, porém seu olhar é diferente de nosso, e com a linguagem do nosso tempo nos lembra dos tempos passados: “A bossa nova é foda”, a faixa que abre o disco, mistura belamente os fundadores do momento mais memorável da música brasileira com nomes do UFC, tudo isso sem soar forçado. A melancolia está lá, o samba está lá, o rock está lá, até o comunista foi homenageado, mas quem vem puxando tudo isso com uma primasia invejável é ele, um dos maiores cantores e compositores que nosso país aguenta, nosso Caetano.
4. Etiópia — Sambanzo
O saxofonista Thiago França junta um time de notáveis da música brasileira (Kiko Dinucci na guitarra, Marcelo Cabral no baixo, Samba Sam na percussão, Pimpa na bateria) pra um disco de jazz brasileiro que fazia tempo que não aparecia em terras tupiniquins. Com uma pegada meio Pharoah Sanders, Sambanzo caminha pela batida africana, pelo rock’n roll (principalmente o pós-punk) e funk tudo isso sem tirar o pé da nossa terra mostrando mais uma vez que não só de samba se faz um Brasil.
5. Arrocha — Curumin
Esse é o terceiro disco do Curumin, o bateirista cheio de groove da voz macia que mais uma vez se mostra como um Jorge Ben do nosso tempo. Porém, ao contrário das tantas cópias do homem de Ben que estão por aí, Curumin é anos 2000, bebe do passado e do presente e, talvez sem querer, mostra uma MPB do futuro; um disco simples com arranjos bem cheios, batidas quebradas, baladinhas pra encantar as meninas, relatos urbanos e goles de esperança, tudo bem funk e esfumaçado, só pra ficar melhor. Uma grande salada, saborosa e muito bem temperada.
Baixe!
6. Trabalhos Carnívoros — Gui Amabis
No primeiro disco, Amabis tinha lançado um conjunto de canções que tinham mais cara de coletivo do que o disco de um homem só; Trabalhos Carnívoros traz canções que se unem numa guitarra baixo e bateria que tocam quase em uníssino parecendo um único instrumento. A pegada Clube da Esquina é um tanto quanto inegável, dado o macio das canções, porém o clima não é o bucólico interior de Minas, mas a bagunçada capital paulista que em meio aos problemas urbanos ainda respira refúgios de silêncio, beleza e esperança.
7. Claridão — Silva
O primeiro disco do capixaba Silva (antes só tinha um EP) não surpreende, pois surge como uma continuação do seu EP, mas também não deixa a bola cair. Silva é cancioneiro abstrato que brinca com figuras fantásticas em meio a acontecimento cotidianos e, no Brasil, isso não podia ir muito longe do repente, do baião ou mesmo do samba, afinal temos diferentes magos que encantaram através da viola, da gaita ou do cavaquinho. O diferente de Silva é que ao invés de um instrumento desplugado, Silva é digital, sua magia é regada pelos teclas ou do computador ou dos diferentes timbres de um teclado que combinados a sua voz macia surge um disco bem eletrônicos, com batidas bem carregadas mas incrivelmente leve.
8. Metal Metal — Metá Metá
Esse disco talvez seja o mais perigoso de aparecer nessa lista em um site cristão pois essa banda se utiliza de toda a mitologia de algumas religiões africanas; antes trazer os pontos interessantes desse disco faço questão de frizar que encaro os símbolos usados pela banda da mesma forma que encaro a mitologia grega ou egípcia, ou seja, pra mim são personagens de histórias fictícias, não são seres sobrenaturais com algum poder sobre-humano. Se você tem problema, ou um passado com esse tipo de manifestação (cultural e religiosa) simplesmente não ouça, se afaste daquilo que te incomoda.
Metal Metal é o segundo disco do trio Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França que desce o morro mais elétrico e mais rock’n roll mas sem deixar de ser brasileiro. Dinucci ao se arma com a guitarra ao invés do violão do primeiro disco, as músicas tem menos cara de terreiro porém com a mesma força que a influência afro pode dar.Os instrumentos caminham juntos formando o mesmo conjunto contagiante com suas melodias maravilhosas e letras que vão do Yerobá (idioma africano, se não me engano, somente usado em âmbitos religiosos) à realidade urbana de um cidadão comum. A força da voz de Juçara Marçal puxa o bloco que canta belas histórias e contagia com sua batida dançante.
9. Entre — Kamau
Kamau já é bem conhecido pra quem escuta rap, na ativa desde o começo dos anos 2000, Kamau foi um dos fundadores da antiga nova escola que trouxe pro Brasil uma nova cara do rap e por consequência (nome da falecida banda que tornou Kamau conhecido) abriu espaço pra gente como Criolo, Emicida e outros que hoje até tocam nas rádios (coisa inimaginável ao rap do começo dos anos 2000). Entre mostra um lado meticuloso da rima de Kamau, com uma pegada golden era (uma das fases do rap americano do começo dos anos 90), porém contemporânea, se derrama em diferentes rimas dando espaço pra interlúdios poéticos e pra, como é de praxe, questionar o cenário hipttie hop da atualidade. Um disco de rap, simplesmente rap.
Veja o clipe de Eu quero mais!
10. Mils Crianças — Hurtmold
Da cena paulistana, a banda que trouxe a música, e o rock’n roll, instrumental de volta aos ouvidos dos anos 2000 retorna em seu quinto disco depois de 5 anos de silêncio. Esse disco é diferente dos anteriores, músicas menores, temas mais curtos, menos repetições, mas a mesma construção musical com camadas e temas que vão se entrelaçando e construindo um disco curto e mais simples de se ouvir.
Gringos
1. Old ideas — Leonardo Cohen
Um disco de canções, simplesmente canções pra voz grave de Cohen se derramar aos nossos ouvidos. Arranjos mínimos, tom de confissão, reflexões da idade; Cohen reaparece com um disco diferente de quase tudo que se lança por aí, é silencioso, tem a voz como protagonista, é espiritual e é belo.
2. Sweet Heart Sweet light — Spiritualized
Quando a epopeia Jane foi lançada na forma de um curta que tinha um travesti como protagonista, a música já abria os ouvidos pra algo grande que vinha nesse disco. As tradicionais distorções do Spiritualized se misturam a violinos e formam um tecido de belas canções com a típica busca espiritual que o nome da banda denuncia.
3. A Thing Called Divine Fits — Divine Fits
Com cara de eletrônico, o Divine Fits cria batidas meio robóticas mas nunca deixa de ser uma banda de rock’n roll; quase como se fosse uma versão contemporânea do kraut rock (rock repolho, movimento genial e fundamental do rock alemão dos anos 70). Os arranjos criam camadas que vão entrelaçando em loop que com a voz vão criando canções as vezes barulhentas, as vezes dançantes, normalmente anos 80.
4. Channel Orange — Frank Ocean
Cantores de R&B não tem muito espaço na minha coleção musical, mas Frank Ocean reinventa o R&B se misturando ao novíssimo Chill Wave. Ao invés dos choros tristes e das intermináveis firulas vocais um disco de voz em cima de batidas comedidas e simples.
5. Tempest — Bob Dylan
Dylan tem algo mágico em seus discos que faz com que sempre soe antigo e novo ao mesmo tempo. Como sempre, esse disco explora o básico da música americana: blues, folk, bluegrass, rock e country; mas ao jeito Dylan, o contador de histórias empunhado de uma guitarra que facilmente podia estar cantando numa praça ou calçada não fosse um dos maiores gênios vivos da música.