ScholeQueÉ – Introdução ao livro de Jeremias – A ameaça vem do Norte #023

Introdução ao Livro de Jeremias –  A ameaça vem do Norte

 

A produção literária do profeta Jeremias é que mais ocupa volume no Antigo Testamento. Durante quarenta anos ele proclamou os oráculos de Javé no momento mais terrível da história de Israel. O exílio babilônico estava às portas e Jeremias se sentiu muito pressionado pela responsabilidade que era ser a última chance de arrependimento do povo judeu.

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Jeremias é um dos poucos livros do Antigo Testamento que podemos ter informações completas sobre sua composição. Deus o mandou registrar suas profecias depois de vinte anos (36:1-3) em 605 a.C, o ano que a Babilônia leva cativo o primeiro grupo de judeus. Jeremias convoca Baruque como amanuense para ajudá-lo na redação do livro (36:4), que depois foi lido diante do rei Jeoaquim. Em virtude do rei ter queimado a primeira versão outra cópia do livro foi feita (36:32), e provavelmente tratava-se dos capítulos 1 a 25 de Jeremias. Esta parte do livro está redigida em primeira pessoa e é geralmente chamado de Livro 1. Há ainda outras duas coleções de palavras de Jeremias, chamadas de Livro 2 (capítulos 30 e 31) e Livro 3 (capítulos 46 a 51).

 

Entre os livros um, dois e três há trechos biográficos citando Jeremias na terceira pessoa, enfatizando o final do seu ministério. Estes trechos são considerados adições posteriores realizadas por Baruque, tal qual o capítulo 52, que também é uma adição posterior, uma vez que Jeremias 51:64 afirma: “Aqui terminam as palavras de Jeremias”.

 

Em relação ao contexto histórico, Josias era o rei de Judá na ocasião. Começou reinar com oito anos de idade e em 628 a.C., quando tinha vinte anos de idade, iniciou a  reforma religiosa (2 Cr. 34:3-7). O chamado de Jeremias ocorreu neste período, que também foi marcado pela morte de Assurbanípal, o último grande imperador assírio. Com a morte de Assurbanípal, o império assírio se enfraqueceu e a Babilônia começou a ganhar destaque no cenário internacional. De acordo com os oráculos de Jeremias a Babilônia representava o perigo iminente que vinha do norte (Jr. 4). Por isso, em virtude da reforma religiosa de Josias e o fortalecimento da Babilônia no Antigo Oriente Médio a mensagem de Jeremias foi de esperança  de perigo respectivamente.

 

A esperança da reforma religiosa morreu com Josias na batalha contra o Egito e os filhos de Josias, nos 25 anos seguintes, apenas pioraram a situação do reino do Sul, Judá. A Babilônia conquistou a Assíria e colocou Judá sob seu controle. A primeira fase da conquista babilônica aconteceu em 597 a.C. em virtude da rebelião do rei Jeoaquim. Seu filho Joaquim foi deportado à Babilônia, junto com o profeta Ezequiel. Neste ínterim alguns falsos profetas começaram a proclamar melhorias na situação vivida por Judá, entretanto Jeremias afirmou que o pior ainda estaria por vir.

 

Após a rebelião de Zedequias contra o domínio babilônico em 589 a.C., após 3 anos de cerco a Jerusalém a conquista e destruição final ocorreu em 586 a.C. Nabucodonosor era o imperador da Babilônia nesta ocasião. Depois da destruição e deportação de parte da população, Jeremias permaneceu em Judá junto com os pobres e o povo da terra.[/tab][tab title=”Estrutura”]

Estrutura de Jeremias

 

Os oráculos de Jeremias podem ser organizados da seguinte forma:

 

  • O chamado de Jeremias – 1
  • Oráculos de Jeremias (Livro 1) – 2 – 25
  • Pausa biográfica I – 26 – 29
  • Oráculos de consolação (Livro 2) – 30 – 31
  • Pausa biográfica II – 32 – 45
  • Oráculos contra as nações (Livro 3) – 46 – 51
  • A queda de Jerusalém – 52

 

O livro de Jeremias possui três classes diferentes de oráculos:

 

  • Oráculos proféticos em poesia
  • Narrativas sobre Jeremias
  • Discursos em prosa

 

O material literário de Jeremias não está organizado de forma cronológica e é muito difícil tentar estabelecer um padrão literário em tópicos, por isso, o livro compilado apresenta uma estrutura bem distinta.

 

Os primeiros versos descrevem os limites cronológicos de seu ministério (v. 3) e apresenta suas credenciais para proclamar sua mensagem (vv. 4-10). O primeiro capítulo menciona a invasão de Judá por um Reino que vem do Norte como punição da sua idolatria. Os capítulos seguinte apresentam em linguagem poética a acusação de Judá, que agiu como uma prostituta que abandonou seu marido fiel, um fato sem precedentes até mesmo entre as nações pagãs ao seu redor (caps. 2 e 3).

 

Os capítulos 4 a 10 continuam em linguagem poética detalhando a destruição de Jerusalém e do Templo, além da deportação de Judá ao exílio babilônico (cf. 6:22; 7:13).

 

As confissões de Jeremias estão registradas nos capítulos 11 a 20 e retratam, até mesmo de forma rude, as reclamações de Jeremias a Javé (Jr. 15:17ss; 20:7). Este desabafo de Jeremias é um feito inédito na literatura profética e foi o efeito da ter sua pregação rejeitada por Judá.

 

A tônica dos capítulos 21 a 25 é a inevitabilidade do julgamento registrada em verso e prosa narrativa. Este aspecto inevitável é revelado nas alternativas que Javé apresenta a Zedequias quando Nabucodonosor estava prestes a invadir Jerusalém (Jr. 21:8-10). Este oráculo lembra um pouco a Aliança deuteronômica (Dt. 30:19). Toda corte de Judá está condenada desde o rei até o clero, representado pelo profeta e o sacerdote (Jr. 23:11ss). Isso marca o fim da dinastia davídica. Todavia, este trecho não apresenta somente um quadro de escuridão, mas mostra uma luz no fim do túnel quando cita um Renovo, descendente de Davi (23:5) e anuncia o tempo total do exílio, setenta anos (25:11).

 

Os capítulos 26 a 45 descrevem os conflitos de Jeremias com os poderes religioso e político e a rejeição da mensagem anunciada por ele. Os sacerdotes e profetas o acusam de blasfêmia, porém Jeremias se defende afirmando que Javé o enviara (Jr. 26:12-15). O capítulo 28 narra outro conflito que Jeremias enfrentou, desta vez com o profeta Hananias, enfatizando como o clero de Jerusalém havia rejeitado a mensagem do Senhor. Hananias, para manter o status quo, afirmou que dentro de dois anos os exilados e os utensílios do templo voltariam ao seu lugar de origem (Jr. 28:3-4). O chamado Livro do Consolo (caps. 30 a 33) estabelece um interlúdio e expõe a maneira como o retorno do exílio será executado. Porém, há uma dificuldade teológica nesta questão. Como o povo de Judá se voltaria para obedecer ao Senhor se era tão duro de coração? O renovo não poderia depender do povo, portanto do próprio Javé parte a iniciativa da restauração quando criaria a nova aliança (Jr. 31), que seria escrita no coração do povo (Jr. 31:31). Os capítulos 26 a 29 demostraram como o poder religioso rejeitou Jeremias e sua mensagem, e agora os capítulos 34 a 36 apresentam como o poder político também rejeitou este oráculo. O capítulo 34 mostra como Zedequias agiu de acordo com a Aliança ao libertar os escravos de Judá (Ex. 21:2) mas não conseguiu impedir que os escravos recém libertados fossem escravizados novamente. Este ato causou a condenação de Zedequias e de Judá em virtude do não cumprimento da Aliança (Jr. 34:18). O capítulo 36 contrasta a rejeição das profecias de Jeremias por Jeoaquim com a aceitação da lei por Josias (2 Rs. 22). Os capítulos finais deste trecho (37 a 45) tratam sobre os efeitos da rejeição da mensagem de Jeremias, a queda de Jerusalém e a deportação para a Babilônia. Diante do cerco da Babilônia, Jeremias é acusado de traição e fica mantido preso (Jr. 37:13; 38:6). Os capítulos 40 a 44 descrevem como Judá, mesmo derrotado , não se rende à Babilônia, conforme ordem do próprio Deus e alguns fogem para o Egito levando Jeremias contra sua vontade e desobedecendo mais uma vez à ordem de Javé (Jr. 44:1ss).

 

Os capítulos 46 a 51 são o destaque do livro, pois Jeremias já havia sido apresentado como um profeta às nações (1:5, 10) que introduzira seus oráculos contra cada uma delas (25:13). Estes oráculos visam à esperança de Israel na restauração promovida por Javé bem como à sua soberania diante dos opressores do povo de Judá. A derrota dos inimigos dos hebreus significa sua volta iminente para casa (Jr. 46:27).

 

O capítulo 52 é um epílogo que confirma e atesta a veracidade das profecias de Jeremias que deveriam ser levadas a sério pelo povo de Israel. Se encerra de maneira lúgubre, mas com um fio de esperança ao narrar a libertação do rei Joaquim da prisão (Jr. 52:31-34). Neste período passara-se a metade do tempo total de setenta anos do exílio profetizado por Jeremias (Jr. 25:11; 29:10).[/tab][tab title=”Propósito e conteúdo”]

Propósito e conteúdo

 

O livro de Jeremias trata basicamente dos seguintes temas:

 

  • A lei que está no coração, não em tábuas de pedra
  • Javé é oleiro que destrói e reconstrói
  • Javé traz a ameaça do Norte

 

O objetivo primário do livro de Jeremias era transmitir os oráculos de julgamento e consolação de Javé, mas também narrar um pouco dos conflitos internos do profeta e seu relacionamento conturbado com o povo de Israel e com Deus. Embora os capítulos 11 a 20 tratem sobre o profeta Jeremias podemos observar a forma com a qual Deus interage com as reclamações humanas. Logo, os problemas de Jeremias são destacados para mostrar como Judá respondeu às profecias e como a rejeitaram. Esta rejeição à mensagem de Jeremias aumentou a culpa do povo diante de Javé.

 

Em Jeremias encontramos quatro tipos de oráculos:

 

  • Acusação
  • Julgamento
  • Instrução
  • Consequências

 

Os oráculos de acusação estão descritos nos capítulos 5 a 9 e a acusação mais grave é que o povo de Judá havia abandonado a Javé e adorado ídolos (Jr. 2:5 – 3:5). Este era um pecado proposital nos termos da aliança deuteronômica. A injustiça e o uso inadequado do templo e dos sacrifícios também são citados como desvios graves da aliança (5:20-31; 7:8-31)

 

Os oráculos de julgamento são os mais abundantes em todo livro. Estes oráculos são dirigidos a toda nação e não apenas a uma parcela da sociedade. Podemos perceber certa conformidade entre estes oráculos e as maldições descritas em Deuteronômio 28:15-68 (cf. Jr. 11:8).

 

Há poucos oráculos de instrução, menos de dez, pois o povo sabia o que era requerido em relação à Aliança firmada entre os hebreus e Javé. Portanto estes oráculos eram um convite ao arrependimento e retorno para o Senhor (3:12-13), além da mudança de procedimentos (7:3-7). Nestes trechos de instrução Jeremias inclui comparações entre a soberania de Javé e os ídolos que os israelitas haviam adorado (10:2-16).

 

Os oráculos de consequência estão inseridos no livro da Consolação e seu objetivo está sintetizado em Jr. 29:11 com a mensagem de retorno do exílio (29:10) e a nova aliança (31:31-34). Jerusalém seria reconstruída (30:18), o povo retornaria a Deus (29:12-14) e um rei descendente de Davi estaria no governo (33:15-26).

Tratamento divino com as nações do Oriente Médio

 

A política de Javé para com as nações apresenta em Jeremias não difere da do Antigo Testamento em geral. Deus sempre tratou os povos com muita longanimidade antes de executar seu juízo quando o nível de perversidade superava o de justiça. Podemos verificar esta atitude em Gênesis 15:16 quando o Senhor disse a Abraão que não destruiria os amorreus naquele momento pois sua maldade ainda não atingira a medida completa. O mesmo processo acontece em 2 Rs. 20:16-19 e 22:20, quando Deus afirma que o julgamento não aconteceria na época de Ezequias ou Josias. O entendimento deste procedimento de Deus desmistifica um ditado popular da época de Jeremias e Ezequiel de que aquela geração sofria em virtude dos pecados das gerações anteriores (Jr. 31:29-30; Ez 18). As ações de justiça destas nações poderiam retardar o juízo de Javé conforme vemos claramente em Jr. 18:7-11 e Jn. 3 e 4.

 

Este procedimento de juízo para com as nações não deve ser confundido com a salvação de indivíduos, que independe de obras e é realizada exclusivamente pela graça. Notaremos que nestes exemplos as nações não eram salvas do pecado e nem existiram para sempre, mas eram tratadas apenas no âmbito temporal e geográfico. Portanto, este sistema não pode ser comparado com o destino eterno de indivíduos.

 

A nova aliança

 

A maior contribuição teológica de Jeremias está no capítulo 31, que trata sobre a nova aliança. Ao compararmos a aliança descrita em Deuteronômio com a nova aliança predita por Jeremias, notaremos que cláusula é abordada e os demais aspectos não são mencionados. Desta vez o povo não teria que aprender a lei, mas a conheceria de forma inata, pois estaria gravada no coração. Uma vez que os termos da nova aliança não são explicados, podemos inferir que os desta nova aliança eram complementares à aliança vigente. Isto é, da mesma forma que a aliança com Abraão foi complementada em Davi, a nova aliança é extensão das primeiras, que não são plenamente canceladas. Portanto, a nova aliança não é totalmente distinta ou apartada da antiga aliança podendo ser confirmada pelo contexto imediato do capítulo 31 afirmando que a lei foi escrita no coração do povo (31:33) com a confirmação da promessa da terra (32:36-44) e com a promessa de um descendente de Davi (33:15-26).

 

Os falsos profetas

 

Pelo fato da mensagem de Jeremias ser extremamente pessimista ele foi acusado de ser um falso profeta. Isto foi ainda mais agravado em virtude de existirem outros muitos profetas que anunciavam paz e prosperidade (14:11-26; 23:9-40; 28:1-17). Jeremias nos dá a entender que cria nesta acusação (20:7-10) e reclamou com Deus que seria uma injustiça se o mentiroso não fosse castigado e a falsa profecia ganhasse destaque, uma vez que o povo não tinha condições de saber qual era de fato a verdadeira profecia. Por causa desta atitude Javé repreendeu Jeremias convocando-o ao arrependimento e prometendo segurança contra seus inimigos (15:15-21).[/tab][/tabs]

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Milhoranza

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