#ScholeQueÉ – Introdução ao livro de Jó – Haja paciência #016

 

O livro de Jó traduz para a vida prática uma das mais antigas perguntas filosóficas da humanidade: Por que sofremos? A busca racional pela compreensão do sofrimento na vida do ser humano não sofreu modificações nos últimos 5 mil anos e, além disso, tem sido um dos pilares sobre os quais os teólogos desenvolvem seus pensamentos.

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O livro de Jó modifica a visão que temos da soberania divina, da arrogância humana quando não sabe o quadro completo da situação e da perspectiva bíblica do sofrimento.

 

É possível que haja um trocadilho do nome do personagem principal do livro (‘iyyôb no original hebraico) com o lamento de Jó em ser “inimigo” (‘ôyeb em hebraico) de Deus (Jo 13:24).

 

Se o livro de Jó é classificado como literatura de sabedoria é possível, segundo os estudiosos, que os diálogos não tenham sido citações literais, mas um ambiente criado para explicar as razões do sofrimento humano e a soberania divina na história.

 

Apesar de não haver um consenso sobre a data dos acontecimentos, a narrativa de Jó é uma das mais antigas do Oriente Médio pelos seguintes fatores:

 

  • A forma literária do prólogo – 1:1 – 2:13
  • A forma literária do epílogo – 42:7-17
  • Não há menção de santuário ou sacerdócio – Jó executava seu próprio sacrifício (1:5)
  • As posses de Jó são medidas por bois, ovelhas, jumentos e servos (1:3; compare com Gn. 12:16 e Gn. 32:5)
  • Sua terra era ameaçada por ataques de tribos nômades – 1:15-17
  • Não há menção da Lei ou da Aliança
  • Deus não é mencionado como Javé, El Shaddai é mais frequente

 

Embora a narrativa do livro seja contemporânea ao período dos patriarcas (ver semelhanças com Gênesis), a maioria dos estudiosos concordam que a composição do livro tenha sido por volta do século VII, ou seja, antes do exílio babilônico, durante a monarquia dividida. Isto não representa um problema, pois a mensagem do livro de Jó ultrapassada as barreiras do tempo.

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O livro, embora esteja incluído na seção dos poéticos, possui diversas formas literárias:

  • Diálogos – Caps. 4 a 27
  • Monólogo – Cap. 3
  • Discursos – Caps. 29 a 41
  • Narrativas – Caps. 1 e 2
  • Hino – Cap. 28

 

O livro de Jó pode ser dividido da seguinte forma:

 

  • Prólogo (prosa) – 1 – 2
  • Discursos (poesia) – 3 – 42:6
    • Diálogo – 3 – 28

●        Lamento de Jó – 3

●        Diálogo entre Jó e seus amigos – 4 – 27

●        Poema da sabedoria – 28

  • Monólogo 29 – 42:6

●        Jó se diz inocente – 29 – 31

●        Discurso de Eliú – 32 – 37

●        Discursos de Javé – 38 – 42:6

  • Epílogo (prosa) – 42:7-17

 

O livro de Jó é estruturado para que o leitor conheça os personagens e alguns detalhes que eles mesmos desconhecem, como por exemplo, o desafio de Satanás a Javé. Desta forma, o leitor sabe de antemão que os amigos de Jó estão equivocados a seu respeito.

O lamento de Jó no capítulo 3 dá início ao ciclo de diálogos que vai do Cap. 4 ao 27. Nestes diálogos os amigos de Jó tornam-se cada vez mais contrários a ele, e, embora a teologia desses amigos não esteja incorreta, é fato que seu papel como consolador fica muito aquém do esperado. A teologia tradicional da época dizia que o justo prospera e o ímpio sofre. Este é a chamada  Justiça Retirbutiva, muito afirmada nos livros de Salmos e Provérbios. Os amigos de Jó utilizam-se da dedução deste princípio para o acusarem.

 

Jó afirma que este Princípio pode ter sua exceção, com a prosperidade do ímpio e o sofrimento do justo, mas desconfia da justiça divina e passa a colocar Deus no banco dos réus. As respostas dos amigos de Jó apresentam a filosofia da época, isto é, desistir de entender a vida e confessar crimes não cometidos para acalmar a divindade. O trecho de 27:1-6 mostra que a integridade de Jó se manteve justamente por se recusar a fazer isso. Ao agir desta maneira Jó recusou o tratamento que outros povos davam às divindades pagãs, que faziam falsas confissões para obter favores e bençãos.

 

O diálogo é quebrado pelo hino à Sabedoria no capítulo 28, que sugere que a verdadeira sabedoria ainda não se manigestou. Este hino mostra Deus como criador da Sabedoria  e ensina que a sabedoria humana só pode vir do temor do Senhor. Isso introduz o trecho dos discursos, ou monólogos e indica a conclusão do dilema.

 

O primeiro discurso apresenta o lamento de Jó ao recordar sua antiga posição e ver sua situação atual. O juramento que ele faz tem a intenção de forçar Deus a agir, isto é, se ele for culpado de qualquer coisa citada no juramento Deus deveria executar seu juízo contra ele, portanto o silêncio de Deus serviria com sua justificação.

 

O segundo discurso mantém o suspense em relação à resposta de Deus a Jó. Aqui Eliú expoe de forma mais filosófica a questão do sofrimento humano, que pode, além de punitivo, ser preventivo, isto é, Deus, por meio do sofrimento, fazia Jó manter-se no caminho correto. Desta forma, o sofrimento pode ser uma maneira de Deus demonstrar sua misericórdia.

 

O terceiro discurso, quando Deus toma a palavra, é caracterizado pela ausência das respostas esperadas. Desconsidera a queixa de Jó, e não responde ao juramento de inocência. Deus muda o rumo do discurso de sua justiça para sua sabedoria, pois Deus é responsável pela criação do mundo e sua sustentação soberana. Deus diz que o mundo não foi criado pelo principio da retribuição (38:26), inclusive desafia Jó a criar um mundo com este princípio como fundamento (40:10-14). A conclusão é que as causas do sofrimento não são coerentes e ninguém é sábio o suficiente para questionar a justiça divina.

 

No epílogo a prosperidade de Jó não se dá de forma gratuita, mas é uma resposta a Satanás de que Deus continuará intervindo em favor do justo. Os amigos de Jó são repreendidos, não por se posicionarem contra Jó, mas por não falar corretamente a respeito de Deus (42:7-8). Mesmo tendo sua vida restaurada, Jó não tem a explicação do seu sofrimento, pois, para o livro o mais importante não é o motivo do sofrimento, mas as ações e os procedimentos de Deus. Para o leitor, Jó não é culpado de nada, e foi justificado não por causa do seu sofrimento, mas pela demonstração de grande sabedoria.[/tab][tab title=”Propósito e conteúdo”]

O livro de Jó trata  dos seguintes princípios:

 

  • Não são apenas os ímpios que sofrem
  • A justiça pode ser conhecida por meio da sabedoria de Deus
  • A justiça de Deus vai além de sentenças simples como o princípio da retribuição

 

O propósito do livro de Jó é analisar o tratamento que Deus dá aos justos e ímpios. De acordo com o desafio de Satanás, as bençãos não produzem verdadeiros justos, pois esses só são íntegros por causa das recompensas que recebem, ou seja, não existe amor à integridade por si mesma. Outro aspecto é o julgamento que Jó faz de Deus ao permitir que o justo sofra, isto é, o procedimento de Deus está sendo criticado.

 

Para cumprir este propósito o livro descarta a tentativa de manipulação da divindade dos antigos povos pagãos do Oriente Médio e a filosofia rasa dos amigos de Jó. Uma vez que o leitor estava ciente da inocência de Jó desde o início não importa muito o fato de Deus te-lo inocentado. O importante é que Jó manteve sua integridade para com Deus, mesmo quando não foi abençoado por isso.

 

A mensagem do livro é que Deus não está obrigado a abençoar o justo, mas a justiça divina é deduzida de sua sabedoria, que está além de todo conhecimento humano.

 

O principio da retribuição: Primeira Parte

 

O princípio da retribuição foi o fundamento para os debates e diálogos na história de Jó. Era um sistema de pensamento muito simplificado que determinava que o justo sempre prosperaria e o ímpio sempre sofreria.

 

Este sistema de pensamento dominava a cultura israelita, mas na prática, a teoria era outra. Basta lermos os primeiros versos do Salmo 37 para verificarmos que nem sempre este sistema de pensamento funcionava adequadamente. Para o israelita isso era particularmente embaraçoso, pois, se havia um único Deus soberano, toda justiça, bem como todo sofrimento, só poderia vir dele. Além disso, Deus era plenamente justo, portanto o sofrimento deveria ter uma explicação lógica e válida. E Deus, sendo plenamente justo, o sofrimento deveria ser proporcional à injustiça do homem, e a prosperidade proporcional à sua virtude.

 

No livro de Jó todos os personagens vivem sob este sistema e não há outra maneira de viver. O livro de Jó pretende mostrar que a conclusão absolutamente certa do princípio da retribuição está equivocado, pois não é possível saber com exatidão quando acontecerá. Portanto, a conclusão de que o justo sempre prosperará e o ímpio sempre sofrerá deve ser rejeitada.

 

O princípio da retribuição deve ser entendido a partir de Deus e não do homem. A Teologia do Antigo Testamento afirma inúmeras vezes que Deus fará prosperar o justo e punirá o ímpio, entretanto este princípio não deve ser usado para exigir a ação imediata de Deus, e nem deve ser usada como fundamento para entender o sucesso ou sofrimento individuais. Nosso consolo está fundamentado na soberania e sabedoria de Deus.

 

A soberania de Deus, sua justiça e sabedoria

 

Na literatura de sabedoria em geral, e também no livro de Jó, a sabedoria, justiça e soberania de Deus são amplamente discutidas. Embora o livro de Jó não esteja intimamente ligado com a Aliança podemos estabelecer um paralelo com os conceitos teológicos da Aliança já apresentados em outras ocasiões tais como: a lealdade, a compaixão e a bondade (Êx. 34:6; Jl. 2:13; Jn. 4:2; Ne. 9:17; Sl. 86:15; 103:8; 145:8).

 

O livro de Jó nos mostra que a onisciência de Deus é apenas uma parte de sua sabedoria infinita, a onipotência é somente um aspecto de sua soberania ilimitada e a misericórdia é entendida como a sua justiça. Estas categorias maiores nos ajudam a entender quem Deus é, do que somente aquilo que ele pode fazer por alguém.

 

O mediador

 

Em vários momentos do livro, Jó parece crer na intervenção de um advogado, um redentor (5:1; 9:33; 16:18-22; 19:25-27; 33:23). Alguns acreditam que se trata da crença na ressurreição, outros entendem que Jó terá a justiça aplicada após a morte, e outros ainda creem que se trata de uma previsão messiânica.

 

Independente das variadas posições, o papel do mediador parece claro. A maioria cre que Jó espera pelo próprio Deus, porém, algumas definições parecem apontar para algum parente distante que viria ajudá-lo (tal qual o remidor estudado em Rute).

 

Entretanto, o tema do redentor aparece somente nos diálogos, e parece não ter um papel fundamental no fim da trama, quando Jó, diante da sabedoria de Deus tem a necessidade de um redentor eliminada diante da restauração que Deus promovera.[/tab][/tabs]

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Milhoranza

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