O descobrimento do encobrimento.

“A vós rogo e requeiro que entendais bem isto que vos disse, e para entendê-lo e deliberar sobre isso

tomai todo tempo que for justo, reconheçais a Igreja como senhora e superiora do Universo Mundo, e ao Sumo Pontífice chamado Papa e em seu nome, e Sua Majestade em seu lugar, como superior e senhor e rei das ilhas e terra firme… Se não o fizerdes, ou nisso dilação maliciosa puserdes, certificai-vos que com a ajuda de Deus irei poderosamente contra vós e vos farei guerra por todas as partes e maneira que puder… Tomarei vossas mulheres e filhos e os farei escravos, e como tais os venderei, e tomarei vossos bens e vos farei todos os males e danos que puder”

(“O Requerimento”, texto que espanhol Enrique Dussel lia para os indídenas antes de começar a batalha pela dominação da terra nas Américas)

Numa dessas viagens de avião que tenho a oportunidade de fazer quando sou convidado para ministrar em alguma igreja, passei por uma situação interessante. Era um vôo bem cedo e com poucos passageiros, que duraria cerca de uma hora. Eu estava sentado numa poltrona apertada (como a maioria das poltronas de avião são) e estava duas fileiras atrás da saída de emergência, onde o espaço entre as poltronas é maior. Estava completamente vazio. Então pensei: vou me sentar lá! Quando em aproximei, gentilmente um “aeromoço” me disse: – Senhor, o senhor não pode sentar ae, somente é permitido para quem comprar esse assento, pagando o valor da passagem normal mais R$20,00. Voltei ao meu lugar frustrado e com um só pensamento: Como o valor das coisas mudam rápido! Lembro que antigamente você podia tranquilamente, sem custo adicional, escolher essas poltronas e antes de vôo, uma aeromoça se prontificaria a ver se você tinha condições de estar lá, caso houvesse necessidade de evacuação pela saída de emergência. Fazia sentido! Agora se você pagar para sentar (porque o espaço maior), mesmo que você seja um completo imbecil sem capacidade nenhuma, se pagou, pode sentar! Lembrei de como C.S Lewis comenta em seu livro “Cristianismo puro e simples”, como o adjetivo “cavalheirro” mudou de significado com o tempo.

Pois bem, a pergunta é: como o cristianismo mudou de significado com o tempo!? Quando leio os evangelhos e vejo Jesus propondo uma mudança de mentalidade que mudaria a história do mundo e logo em seguido, leio a história de como esse mesmo cristianismo fez parte do descobrimento das Américas (ou encobrimento), percebo o abismo existente e sinto calafrios. Somos herdeiros de um evangelho conquistador, sob a bandeira negro em tafetá com cruz vermelha e algumas chamas azuis e brancas e uma frase em volta dizendo: sigamos a cruz e com este sinal venceremos. Ou seja, não existe mudança de valores. O que existe é conquista, vitória, perdedores e subjugados! Você já reparou em como os evangélicos geralmente evangelizam? Raramente é um diálogo de iguais. Está mais para monólogo do eu superior contra o outro inferior. E se não aceitar seu discurso, teologia e argumentos, certamente arderá no fogo de inferno! Seria esse pensamento, herança do testamento supracitado de Enrique Dussel , para nós, indíos brancos das Américas dominadas? Assim creio!

Sabedores disso, temos que revidar! Temos que anular essa herança maldita que infesta nossa mentalidade acerca de ser evangélico e buscar nos puros ensinamentos de Jesus uma resposta para tamanho mal.  Não podemos mais reparar o erro do passado mas temos a obrigação de acertar o presente. Não somos ainda uma igreja que conquista mais do que compartilha? Não temos nós o desejo da vitória muito mais do que a compaixão? Não queremos nós muito mais o ouro para si do que sermos o próximo do outro?! Sejamos honestos… como igreja somos assim, mesmo que nosso discurso não soe dessa forma… Assim como a sáida de emergência continua sendo saída de emergência, mas quem pagar mais, pode sentar nela sem de fato ter o necessário para estar lá.

Somos intimados mais uma vez para a reforma. Pois reformar é um ciclo. Porém antes de seguirmos anárquicos contra o sistema eclesiástico vigente, temos que começar a reforma em nós. Rever nossos ideias. Analisar o que nos move intensos por essa via. Pois no fim, por mais bem intencionados que podemos estar, podemos errar outra vez ao seguir mudando o valor dos valores até que sejam adequados a nossa visão e nos tornemos outra vez, dominadores em nome de Cristo, punindo com morte àqueles que matam, fazendo da cruz espada e do Reino de Deus, desculpa para estabelecer nossos próprios reinos.

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