Na Bíblia hebraica, tal qual os livros de I e II Samuel, os livros de Reis formam um único volume e se encontram na seção chamada “Profetas Menores” junto com Josué, Juízes e Samuel.
O livro de Reis focaliza as bênçãos e maldições da aliança com Javé registrando os fatos desde a morte de Davi, o trono herdado por Salomão até o esfacelamento dos reinos do Norte e do Sul, isto é, Israel e Judá respectivamente.
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A divisão entre os livros de Samuel e Reis não é clara e a divisão ocorreu na tradução do Antigo Testamento em grego (Septuaginta) para que os registros não ficassem tão grandes.
Em Reis fica evidente a apostasia do povo hebreu com o consequente julgamento de Javé.
O livro dos Reis registra a história política de Israel no período da monarquia unida (que começa em torno de 970 a.C.), atravessa a deportação do Reino do Norte, Israel, pela Assíria em 722 a.C., até o exílio para a Babilônia em 586 a.C.
Na história do reino dividido o Reino do Norte, Israel, era politicamente mais instável que o Reino do Sul, Judá. Alguns fatores comprovam isso:
- Duração mais curta que o Reino do Sul, apenas 209 anos.
- A violência sempre precedeu a sucessão real.
- Todos os dezenove reis são considerados maus pelo autor de Reis, pois são acusados de prestarem culto ao bezerro de ouro de Jeroboão.
- A duração média de um reinado era de 10 anos
- Nove famílias diferentes reivindicaram o trono de Israel
O Reino do Sul, Judá, ainda sobreviveu por mais um século e meio, chegando a 345 anos de existência, e abaixo estão relacionadas suas principais características:
- A média de duração do governo de um rei foi de dezessete anos.
- A família de Davi foi a única a reivindicar o trono de Jerusalém, gerando estabilidade política.
- O reinado da rainha Atalia (2 Reis 11) foi a única interrupção da sucessão davídica no trono de Judá.
- Dos dezenove reis de Judá, oito são classificados como bons pelo autor de Reis.
Dois fatos históricos importantes estão registrados no livro dos Reis:
- Nomeação por Nabucodonosor de Gedalias para o governo de Judá (596 a.C.), e seu assassinato (582 a.C.) – 2 Rs. 25:22-26
- Libertação do rei Joaquim da Babilônia após a morte de Nabucodonosor (562 a.C. ou 561 a.C.) – 2 Rs. 25:27-30
Em relação à autoria do livro dos Reis, a tradição hebraica atribui ao profeta Jeremias devido às semelhanças entre os relatos de 2 Reis 24 e 25 e Jeremias 52. Além disso, o livro de Reis dá bastante destaque ao papel dos profetas no Antigo Testamento, contudo, analisando-se o propósito, contexto e conteúdo teológico não há evidência suficiente para comprovar esta tese.
Para a produção da história da aliança no livro dos Reis, o autor utilizou ao menos 3 fontes primárias que estão citadas por todo o livro:
- Registros históricos de Salomão (1 Rs. 11:41)
- Registros históricos dos reis de Israel (1 Rs. 14:19)
- Registros históricos dos reis de Judá (1 Rs. 15:23)
Estes documentos provavelmente fazem parte do acervo produzido pelos escribas reais conforme descritos em 2 Sm. 8:16; 20:24-25.
Alguns eruditos ainda acreditam que haja outras fontes para a compilação do livro dos Reis, tais como:
- As histórias da sucessão de Davi (2 Sm. 9 a 20)
- A dinastia de Acabe (1 Rs. 16 a 2 Rs. 2)
- O desenvolvimento profético na era Elias-Eliseu (1 Rs. 17 – 19:21 e 2 Rs. 1 a 13)
- O profeta Isaías (Isaías 36 a 39 é praticamente idêntico a 2 Rs. 18:13 a 20:19)
- Os profetas considerados “não literários” (Ex: Aías 1 Rs. 11:29-33; 14:1-16 e Micaías 1 Rs. 22:13-28)
Dadas as evidências histórico-sociais não é errado supor que o livro de Reis tenha sido produzido por volta de 550 a.C. Não é possível ter certeza de que o autor tenha sido algum profeta, mas podemos aferir que ele tinha um amplo conhecimento sobre o teor da aliança entre Javé e Israel, e suas consequências na história.
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Estrutura de Reis
O livro de Reis está organizado da seguinte maneira:
- Rei Salomão (1 Reis 1 – 11)
- Rei Roboão (1 Reis 12:1-22)
- Reis de Israel e Judá de 931 a.C. a 853 a.C. (1 Reis 12:22 – 16:34)
- Jeroboão I, Roboão, Abias, Asa, Nadabe, Baasa, Elá, Zinri, Onri, Acabe
- Elias e Eliseu (1 Reis 17:1 – 2 Reis 8:15)
- Rei Josafá, rei Acazias, rei Jorão
- Reis de Israel e Judá de 852 a.C. a 722 a.C. (2 Reis 8:16 – 2 Reis 17:41)
- Jeorão, Acazias, Jeú, Atalia e Joás, Jeoacaz, Jeoás, Amazias, Jeroboão II, Azarias, Zacarias, Salum, Menaém, Pecaías, Pecal, Jotão, Acaz, Oséias
- Queda de Samaria (Israel) – 2 Reis 17:4-41
- Reino de Judá de 729 a.C. a 586 a.C. (2 Reis 18:1 – 24:17)
- Ezequias (Assíria contra Judá), Manassés, Amon, Josias, Jeocaz, Jeoaquim (Primeira invasão babilônica), Joaquim (Segunda invasão babilônica)
- Queda de Jerusalém (Judá) – 2 Reis 25:1-21
- Governador Gedalias (2 Reis 25:22-26)
- Joaquim no exílio
As narrativas do livro de Reis abrangem o período da ascensão de Salomão ao trono até a queda de Jerusalém em 586 a.C. Estes fatos estão organizados de forma cronológica de acordo com o interesse do autor em mostrar o que ocorrera devido à desobediência do povo hebreu à aliança com Javé.
Os assuntos, organizados de acordo com a seleção do autor, envolvem:
- A sabedoria de Salomão (1 Reis 3) e um resumo do seu governo (1 Reis 4)
- As obras de Salomão antes do Templo de Jerusalém (1 Reis 5:1 – 1 Reis 7:12)
- Alguns eventos do reinado de Jeroboão I e Ezequias (1 Reis 13; 14:1-20 / 2 Reis 18:7 a 2 Reis 19:37 e 2 Reis 20)
- Resumo das atividades proféticas de Elias e Eliseu
Estas narrativas são contadas simultaneamente de forma intercalada entre os reis do Norte (Israel) e do Sul (Judá). As histórias dos reis são interrompidas apenas pelos relatos dos profetas Elias (reis Onri e Acabe) e Eliseu (rei Jorão).
As narrativas de Elias e Eliseu não são importantes somente como um registro do profetismo israelita não-literário, mas também como um testemunho da fidelidade de Javé para com Israel, mesmo após a adoração a baal ser instituída como religião oficial do Reino do Norte (Israel) pelo rei Acabe, quando se casou com a princesa fenícia Jezabel (1 Reis 21:25-26).
A tabela abaixo representa o drama religioso vivido nessa época em Israel.
Baal (deus cananeu da tempestade) | Javé (Deus de Elias e Eliseu) |
Baal, deus da tempestade, controla a chuva | Elias anuncia o período de seca (1 Rs. 17:1) |
Baal garante a fertilidade nas colheitas | Israel padece fome e seca, mas Elias e Eliseu distribuem trigo e azeite de forma milagrosa (2 Rs. 4:1-7; 42-44) |
Baal controla os relâmpagos e o fogo | Elias pede fogo do céu em nome de Javé (1 Rs. 18:38; 2 Rs. 1:10-12; 2:11). |
Baal controla a vida e a morte | Elias e Eliseu curam doentes e ressucitam mortos em nome de Javé (1 Rs. 17:7-24; 2 Rs. 4:8-37; 5:1-20) |
Andrew Hill & J. H. Walton, Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
A narrativa da monarquia de Judá segue o seguinte padrão de estrutura:
- Apresentação do rei pelo nome, nome do pai e em que momento ocorreu sua ascensão em relação ao reinado correspondente em Israel (Reino do Norte).
- Dados biográficos tais como: idade do rei, duração do seu reinado, avaliação do seu reinado em termos morais e espirituais. Outras informações como o nome da rainha-mãe e Jerusalém como capital do reino são citadas.
- Apresentação de fontes adicionais do seu reinado e informações sobre sua morte e sepultamento.
O relato da monarquia israelita seguia o mesmo padrão, exceto pela omissão da capital, Samaria, e do nome da rainha-mãe.
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Propósito e conteúdo
O livro de Reis trata basicamente sobre os seguintes assuntos:
- A avaliação dos reis – mal como Jeroboão e bom como Davi
- As bençãos no arrependimento e restauração e as maldições no julgamento e exílio
- O profetismo como voz de Deus para o rei
- A adoração de Javé X a adoração de baal
O livro dos Reis narram o desenvolvimento da história do povo hebreu no período monárquico unido e posteriormente dividido. Este desenvolvimento é narrado sob a ótica da obediência e desobediência em relação à aliança de Javé com o povo hebreu.
Os personagens principais são os reis e os profestas, que eram os responsáveis pelo cumprimento da aliança por parte do povo. O rei era o representante do povo diante de Deus, e o profeta servia como consciência divina para esse rei. O rei, quando falhava no cumprimento da aliança, gerava tipicamente dois problemas: idolatria e injustiça social. A consequência deste ato de rebelião à aliança incluía a opressão por povos vizinhos, a queda da familia real e, pro fim, o exílio, a perda da terra da promessa.
O propósito literário do livro de Reis é autenticar a dinastia davídica como a herdeira oficial do trono de Jerusalém, conforme profecia de Natã a Davi em 2 Samuel 7:12. O registro de Reis é feito de forma complementar ao livro de Samuel, que mostra a soberania de Deus na história da aliança mesmo em face do livre arbítrio do ser humano com suas responsabilidades e autonomia.
Avaliação de Salomão
O livro de Reis fornece um relato favorável a cerca de Salomão e seus primeiros anos de reinado:
- Foi amado de Javé – Siginificado de Jedidias em 2 Sm. 12:24-25
- Dom da sabedoria – 1 Rs. 3
- Inaugurou a era de ouro de Israel com prosperidade e glória sem precedentes em Israel – 1 Rs. 10:14-29
- Construtor reconhecido internacionalmente – 1 Rs. 6:1 – 7:12
- Amante das artes e ciências – 1 Rs. 4:29-34
Entretanto, em seus últimos anos de reinado houve grande declínio político, religioso e moral, pois deixou-se seduzir por suas centenas de mulheres estrangeiras e pelo materialismo (1 Rs. 11:1-3).
O autor de Reis atribui à idolatria de Salomão a divisão de Israel em dois reinos: Norte (Israel) e Sul (Judá), conforme 1 Rs. 11:31-35. Contudo, a derrocada do Império deveu-se aos anos de má administração do Estado pelo rei. Confira na tabela abaixo algumas dessas práticas que levaram à falência a nação de Israel:
Evento | Referência |
1. Aliança política com nações pagãs por meio do casamento | 1 Rs. 3:1-2 |
2. Sincretismo religioso para agradar os novos parceiros político-econômicos | 1 Rs. 11:1-8 |
3. Reorganização tribal, desconsiderando o pacto de divisão das terras em Números, para obter vantagem econômica | 1 Rs. 4:7-19 |
4. Aumento da burocracia do Estado | 1 Rs. 4:22-28 |
5. Obras monumentais que exigiam trabalhos escravo estrangeiro e hebreu | 1 Rs. 5:13-18; 9:15-22; 12:9-11 |
6. Aceitação das ideias políticas pagãs em consequência do comércio internacional | 1 Rs. 9:26-28; 10:22-29 v. 11:1-11 |
7. Rebeliões sucessivas minaram a força do poder militar de Salomão. Perda de receia das nações estrangeiras | 1 Rs. 11:9-25 |
Andrew Hill & J. H. Walton, Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
Estes eventos trouxeram à tona as antigas desavenças tribais, quando Roboão assume o trono de Jerusalém (1 Rs. 12:16).
Profecia não-literária e literária
Durante o desenvolvimento da história de Israel houve intensa atividade profética que pode ser dividida da seguinte forma:
- Período profético não-escrito, ou pré-clássico
- Período profético escrito, ou clássico
No movimento pré-clássico a tendência é descrever a atividade dos profetas por meio de milagres em forma de narrativas históricas, isto é, eles também são personagens dos relatos em Reis. Seu campo de atividade se restringia basicamente à família real.
O movimento clássico, ou literário, ações simbólicas são escritas em forma de oráculos ao invés de milagres. A mensagem dos profetas literários (p. ex: Amós, Isaías, Oséias) atingiam os líderes políticos e religiosos, a população, bem como outras nações.
Dinastia monárquica e liderança carismática
O sistema de governo do Reino de Judá é considerado uma monarquia dinástica, ou seja, o trono passa de pai para filho. No caso de Judá, esta dinastia era divinamente estabelecida (2 Sm. 7).
No Reino do Norte, Israel, ao contrário de Judá, a sucessão ao trono não era realizada de maneira hereditária, mas o modelo de sucessão seguia o padrão carismático, semelhante ao período dos juízes, quando Javé escolhia um líder dentre o povo e capacitava-o com o Espírito Santo. Esta capacitação temporária se manifestava externamente de diversas maneiras e tinha o objetivo de inspirar o povo hebreu a viver o padrão de santidade de Javé, o soberano absoluto de Israel.
Ao contrário de Judá, a sucessão dinástica, ou de pai para filho, em Israel estava condicionada à obediência do rei aos mandamentos de Javé (1 Rs. 11:37-38). Esta condição não foi respeitada pelos reis do reino do Norte, então houve o anúncio da tragédia que se abateria sobre Israel (1 Rs. 14:10-11).
Após a derrocada do rei desobediente, havia a ordem para o rei seguinte executar o anterior. Este procedimento, muitas vezes, terminava em um golpe político de caráter violento (1 Rs. 16:3-4; 11-12).
O bezerro de ouro
O bezerro era tido no Egito como símbolo da fertilidade, e era mais conhecido como Boi Ápis, o mesmo que Israel construiu no deserto (Ex. 32). Ápis era adorado no Egito como símbolo da fertilidade e vida. Provavelmente Jeroboão recolocou Ápis como símbolo religioso de Israel por causa da influência que recebeu durante seu exílio no Egito, onde permaneceu até a morte de Salomão (1 Rs. 11:40).
Quando Jeroboão retornou a Israel, misturou práticas religiosas dos cananeus no culto ao Boi Ápis. Este procedimento de Jeroboão foi premeditado para conquistar a lealdade dos israelitas e impedi-los de ir às festas religiosas em Jerusalém, que estava sob o controle do Reino do Sul, Judá.
Isto gerou uma prática e ideologia bem diferente da adoração a Javé, e serviu apenas para Jeroboão consolidar seu poder no Reino do Norte. Mais tarde o profeta Oséias referiu-se às estas estátuas como ídolos, não Deus (Os. 8:4-5), que estavam também relacionadas aos rituais de fertilidade de baal (Os. 10:5; 11:1-2; 13:1-2).
Esta atitude não apenas tirou a dinastia de Jeroboão do trono, como acabou com o Reino do Norte, sendo consumido por Javé em sua ira (2 Rs. 17:18).
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