Moro num castelo com quatro torres. Numa torre fica meu quarto, noutra fica o quarto do meu irmão, noutra fica o quarto dos meus pais, outra é a torre da família. A torre da família é onde a gente é família, ao menos é onde eu acho que a gente é família.
Houve um tempo em que a gente sentava e comia junto na torre da família. A gente conversava sobre nosso dia, a gente tinha um tempo junto legal… Eu era pequeno, não lembro muito, mas acho que gostava muito daquele tempo junto em família. Parece que tenho saudade disso, mas faz tanto tempo que nem lembro mais se isso acontecia mesmo…
Um dia chegou um aparelho que ficava na torre da família. Esse aparelho centrava o nosso olhar. Nós trocamos a mesa por um sofá e passávamos nosso tempo junto olhando para aquele aparelho — ele meio que regulava nossa vida. A gente decidia o que fazer de acordo com o que aquele aparelho oferecia pra gente. Tinham noites que a gente não saia, tinham noites que dava pra sair, tinham noites que as vezes podia e que as vezes não. Eu gostei do aparelho, mas parece que ele tomou o meu lugar, tomou o lugar do meu irmão, tomou o lugar do meu pai e da minha mãe…
Depois de um tempo, cada quarto recebeu um aparelho. Nesse tempo a torre da família ficou vazia.
Os aparelhos mudaram, eles ficaram menores e portáteis e tinham acesso a coisas diferentes. Agora nós voltamos a usar a torre da família, mas cada um com seu aparelhinho. Até colocamos a mesa lá de volta, mas os barulhos da sala não são das nossas vozes, são dos nossos aparelhinhos. Quando a gente usa nossa voz é pra rir sozinho, rir de algo que o aparelhinho nos oferece.
Lembro que quando era pequeno, tinha um texto de um menino que queria ser uma televisão porque toda a família olhava para ela. Todo mundo percebia e notava a tv, e, se ele fosse uma tv, ele seria notado pela sua família, sua família olharia pra ele. Penso que o desejo do menino desse texto seria idiota na minha casa, porque mesmo com tv ligada, cada um fica concentrado sozinho, distraído com seu aparelhinho.