O evangelicalismo brasileiro realmente nos mostra coisas curiosas.
Os primeiros missionários, os cristãos históricos, o pentecostalismo e suas três ondas, com a sua terceira trazendo um neo-pentecostalismo que criou uma febre em nosso território lindo. E como toda febre alta, traz consequências. Unções pra lá, batalhas espirituais, G12, M12, R12, AR15 (ops, este não), louvor extravagante, mover no espírito, autoridade espiritual, dízimo, trízimo, unção da cura, da prosperidade, da libertação, tudo isso aumentou a febre de muita gente. E muita gente que criou amargura da fé que antes abraçava com tanto amor.
Aí vemos a benção e a maldição de uma ferramenta como a internet; que possibilitou, além de vídeos de gatinhos, compartilhamentos sem sentido algum no facebook, tirinhas malfeitas de memes, e imbecis em áreas de comentários de sites de notícias, muita informação relevante. E com isto, muitos daqueles amargurados puderam conhecer um Deus muito mais simples que toda invencionice humana.
Um Deus de graça, a misericórdia dele nos liberta de toda obrigação de ir à um prédio de uma igreja, até porque somos igreja! Estamos libertos de sermos como aqueles toscos neo-pentecostais que só dão dinheiro pra pastor! Estamos libertos de sermos pretensiosos como eles! De se sentir superior como eles! Nada como o meu Deus que me libertou de ser mesquinho como esta racinha de neo-pentecostais! Oh Deus de suprema graça!
Peraí…
Nos transformamos em caçadores de pelo-em-ovo, ávidos por o próximo tropeço de um pop-pastor, ou do cantor do momento. Torcendo pra próxima prova de que aquela cantora ou aquela banda não passa de “adoradores do deus Mamom”. E o pior. Chamamos isto de Apologética.
Sim, apologética. Aquela palavra, derivada de “apologia”, do grego απολογία, que por sua vez significa “defesa verbal”. A tão conhecida “defesa da fé”. Reduzimos defender nossa fé a procurar marginais da fé e cantores mercenários, e apontar para eles utilizando toda verborragia ofensiva possível.
Reduzimos a defesa de nossa fé a fofocas que geram um sensacionalismo de fazer inveja a qualquer TV Fama.
Reduzimos a defesa da fé a uma pura sensação de superioridade perto daquele pastor mercenário que cobra 10 mil reais por mensagem (li outro dia naquele blog, juro!) ou daquela banda que se diz formada por “levitas”, mas segundo um texto publicado semana passada, não toca em sua cidade por menos de 100 mil reais.
Sim, é necessário denunciarmos o erro, a ganância, a heresia. Mas orientado pela palavra de Deus, e não por meras fofocas e disse-me-disse virtual. E apologética não se resume a isto.
“Se vocês fazem o bem com o coração e a alma, quem os impedirá? Ainda que sofram por causa disso, é o melhor para vocês. Não deem uma segunda chance à oposição. Em condições favoráveis ou desfavoráveis, mantenham o coração atento, em adoração a Cristo, Senhor de vocês. Estejam prontos para falar e explicar a qualquer um que perguntar por que vocês adotaram esse estilo de vida, sempre com a maior gentileza.”
1 Pedro 3:13-15
Vamo lá, Pedro, falando pra uma pá de gente da Igreja exilada e dispersa em Ponto, Galácia, Capadócia, Província da Ásia e Bitínia (1Pedro 1:1). Ou seja, exilados, perseguidos, na região da Turquia. Era uma turma que, dos novos convertidos, poucos conheciam Paulo, e sabiam o que a fé poderia custar, pela experiência do apóstolo. Logo, esta carta foi escrita a fim de animar este pessoal e conhecer o que é afinal a fé verdadeira.
Um contexto bem mais complicado que o nosso, realmente. Mas podemos encontrar algumas coisas interessantes, a uma primeira lida:
- Uma galera que, mesmo com todas as adversidades, é vista como pessoas que “fazem o bem com o coração e com a alma”. Vemos aqui, que por menor que seja a frase que lemos e ficamos indignados, nossa reação é torcer pelo mal do autor.
- Manter o coração atento, em adoração a Cristo, o Senhor. Estarmos atentos a manter uma vida que glorifique a Cristo. Que mostre o senhorio de Cristo em nossas vidas. Que os outros possam O ver em nosso viver.
- Estar sempre pronto para falar por que vocês adotaram esse estilo de vida, sempre com a maior gentileza. Estarmos prontos, para falar de forma branda e amável, qual a razão da nossa esperança, qual o motivo da mudança de vida (afinal, a adoção do cristianismo como nossa fé, e estilo de vida deve nos trazer transformação, certo?)
Nos preocupamos tanto em apontar o erro alheio, em denunciar quem nos interessa, que será que vemos os nossos erros? Será que saberíamos responder qual o motivo da nossa esperança? Será que saberíamos explicar o que mantém nossa esperança mesmo em meio a adversidades?
Falamos de uma graça que alcança mendigos, bandidos, prostitutas, ladrões… Será que acreditamos que esta graça também pode alcançar aquele senador corrupto? Será que acreditamos que esta graça pode alcançar aquele pop-pastor ou aquele levita superstar ‘herético’? Será que a graça que acreditamos não é mais seletiva (aos nossos critérios meramente humanos) do que qualquer outra coisa?
Menos sensacionalismo barato em busca de cliques. Mais fé de um amor que atinge realmente a todos.