O Papa e o Apocalipse

A gente pode medir o quão velho é pela quantidade de conclaves que já acompanhou. Quando eu era criança, para mim só existia o Papa João Paulo II. Aquele homenzinho velho e encurvado era a personificação do papa. Quando ele morreu, foi meio estranho: outra pessoa ser papa? Como assim? Quem seria o Papa João Paulo II agora?

Desde então acompanhei, com maior ou menor interesse, 3 conclaves. Mas sempre, SEMPRE, o eleito é o anticristo profetizado no livro do Apocalipse. Sempre os sinais são claros e evidentes, sempre temos que ficar alertas e preparados, sempre quem não acredita é porque não teme a Deus, e blá blá blá…

Escatologia (o estudo do fim dos tempos) é um dos assuntos mais controversos e interessantes para adolescentes na igreja. O recorte usado para justificar a associação do novo líder católico com o “caramunhão” é Apocalipse 13. Das teorias, a mais engraçada, na minha opinião, é a que diz que Leão 14 (nome escolhido pelo novo papa) sucede Leão 13, justamente o número do capítulo que prevê o anticristo — seja lá por que isso faria algum sentido na cabeça maluca dessa gente.

Um estudo e interpretação mais sérios do texto de Apocalipse associam suas profecias ao contexto de perseguição que a igreja sofria na época em que João escreveu o livro. Apocalipse é um livro de fortalecimento e esperança para os cristãos que estavam morrendo e sendo perseguidos por causa da fé em Cristo. Obviamente, o texto é vivo e fala com a igreja ao longo dos séculos e continua a falar conosco hoje. Não é uma fantasia muito bem adaptável para filmes de Hollywood, nem um livro de pistas a serem desvendadas para adivinharmos quando Jesus voltará, é um alerta e uma esperança.

Ironicamente, a grande advertência de João em Apocalipse 13 é sobre o risco da associação entre poder político e religioso — como esse casamento diabólico gera morte e perseguição. Mas essa interpretação não assusta os religiosos que têm na política sua grande vedete, nem os políticos que encontram na religião seu grande chancelador, numa relação promíscua de prostituição mútua.

Mas, convenhamos, é muito mais interessante – seja para o entretenimento, seja para obtenção ou manutenção do poder – criar cenários pirotécnicos e sensacionalistas do que admitir a própria perversão.

Texto por Hernani Medola.

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