Sou racista – Um pensamento sobre o dia nacional da consciência negra

 Nasci numa família de gente branca, de origem alemã e sem sérios problemas de grana. Não tive grandes problemas na minha infância, não passei por nenhum trauma, nenhum abuso, nada que pudesse justificar qualquer comportamento doentio na minha idade adulta mas mesmo assim, me tornei racista.

Não, eu nunca agredi fisicamente nenhum negro ou mulato pelo fato da cor dele ser diferente da minha, nunca tive problemas em achar mulheres negras bonitas, e não estou falando daquelas mulheres negras que são transformadas em “brancas com a pele negra” que vez por outra são colocadas nas capas de revistas ou nas propagandas, perdendo completamente as características do povo negro na mentira de que o Brasil não é um país racista, estou falando de mulheres de verdade, dessas que você vê na rua, no mercado, no trabalho, nunca tive problemas em achá-las bonitas mas ainda assim, sou racista

Meu pai era capoeirista e tinha vários amigos negros que frequentavam minha casa, ficavam bebendo cerveja com meu pai, dando risada e falando de tantas coisas que não consigo definir um assunto que fosse o principal, aprendi a gingar com eles, via jogo de futebol com eles, comíamos na mesma mesa, mas ainda assim, sou racista.

Minha vó, me levava nos cultos da umbanda num centro que ficava a alguns metros de casa e nas novenas na casa da Dona Terezona (nem preciso comentar que era uma senhora que lembrava muito a dona Anastácia do sitio do Pica-pau Amarelo) também perto de casa. Sempre eu comia balas de Cosme e Damião no centro da Dona Edite e bolacha maria com chá mate no final das orações. Tanto na novena quanto no “saravá”, a maioria era de pessoas negras e mãos negras serviam bolacha e chá pra mim e pra outras crianças (muitas negras) se ficássemos em silencio durante a reza assim como, mãos negras me serviam doces de todos os tipos, abençoados (ou seja lá como seja o nome que se dava ao passe que os espíritos faziam) e nos entregavam se ficássemos comportados e cantássemos os pontos, e mesmo assim, me tornei racista.

Não sou racista como um neonazista que odeia judeus, ou como um judeu que odeia palestinos, esses são inimigos declarados, o meu racismo é diferente porque eu não odeio os negros nem agrido nenhum deles, o problema é que vivo e fui criado numa cultura racista, em que contar piadas sobre a situação precárias que, historicamente, vivem os negro é engraçado. Vivo num país onde é necessária uma lei que prometa castigar com cadeia quem fizer comentários que ofendam uma pessoa, simplesmente por ela ter uma origem e cor diferente e onde de modo geral, o equivoco cometido por um elemento dessa “classe” pode justificar que todos os outros sejam julgados de igual forma, alias, esse indivíduo nem precisa cometer nenhum equivoco, simplesmente o fato de ser negro, já basta para ser diminuído na primeira oportunidade.

Sou racista, porque sou cristão, uma religião que tem em sua espiritualidade a igualdade entre todos, e ainda assim, não me coloco entre um negro que é humilhado e quem o humilha, por não julgar que este seja uma questão espiritual e ainda acho as vezes que é síndrome de perseguição dos negros. Não Olho para a bíblia que diz que em Cristo não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus (Gálatas 3:28) , mas ainda acho que racismo não é plenamente uma atitude contrária ao texto bíblico, contrária a logica do reino de Deus e por consequência, vinda direto do reino das trevas.

Sou racista, porque não consigo ser plenamente cristão e assim como outros pecados que eu não ligo porque supostamente não me afetam, prefiro dizer que não tem nenhuma importância continuar assim enquanto ninguém descobre que eu vejo pornografia de madruga para compensar minhas frustrações, enquanto ninguém souber que eu alimento ódio diariamente contra pessoas do meu convívio ou ninguém ficar sabendo que cumpro todas as regras da minha religião que me são fáceis de cumprir e as que me são difíceis eu finjo que não entendi ou tento relativizar para não ficar assim tão feio continuando com a minha fama de cristão evangélico fiel e temente a Deus…

Sou racista porque continuo ignorando o fato que a cada vez que não me oponho diretamente contra o racismo em qualquer instancia, isso faz de mim um pouco menos parecido do Cristo, um pouco menos imitador de Cristo, um pouco menos cristão.

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