Quem tem medo da Teologia da Missão Integral?

Nesses dias que passaram, tive a noticia de que a Faculdade Evangélica das Assembleias de Deus (FAECAD) suspendeu uma atividade no Rio de Janeiro porque alguns de seus diretores assinalaram que o conferencista principal, René Padilla, é um Cristão Marxista.

Obviamente, a FAECAD não tem obrigação nenhuma de aceitar dentro de suas instituições qualquer pessoa que seja. É uma instituição autônoma que não deve satisfações a ninguém a não ser ao MEC, aos lideres das igrejas associadas e, eventualmente, aos alunos que pagam mensalidade, e como eu não estou dentro de nenhum desses grupos, não venho aqui pedir satisfação sobre o ocorrido, muito pelo contrário, o que menos quero com esse texto é explicação, eu só queria falar algumas palavras sobre a TMI e a suposta ligação intima que essa teologia tem com o MARXISMO e o medo da ameaça, que algumas pessoas sentem diante dessa maneira de pensar o divino.


 
Para inicio de conversa, é preciso compreender que nenhuma ideia no mundo surge do nada, é sempre uma questão construção baseado no que veio anteriormente, seja em adapta-lo a nova realidade, seja em nega-lo completamente para sugerir o oposto. Assim, dizer que a TMI não tem nenhuma influencia do de uma proposta como o marxismo, que modificou a estrutura a politica e a economia do seculo passado é tão incoerente como dizer que a TMI é constituída apenas pelo marxismo. Somos constantemente bombardeados por inúmeras ideias diferentes e é na junção delas todas que acabamos formando o que acreditamos ou negamos e é quando essa nossa crença toma proporções maiores do que apenas o status de opiniões tomando forma de uma teoria ou qualquer coisa equivalente, acabamos por nos obrigar a buscar referencia teorias que justifiquem nossas palavras, entretanto, mas seja na defesa de um trabalho diante de uma banca para conquistar um titulo de mestre, seja numa conversa informal regada a cerveja na mesa de um bar, saiba, ninguém está imune a influencias externas a ponto de sugerir algo completamente novo.

Então é claro, que no contexto do surgimento da TMI (apesar do pacto de Lausane datar de 1974, a teologia da missão integral já era pensada antes dessa que é tomada como a data do inicio), houveram influencia de pensadores marxistas que estavam sendo lidos na academia naquele momento. Digo isso sem medo de errar, não como uma exclusividade da TMI, pois outras teologias tiveram influencias de outros pensadores, de outros ramos das ciências, etc. Alguns poderiam alegar a lógica do SOLA SCRIPTURA como aquela regra que define a bíblia como unica referencia para a composição da nossa teologia, mas fatalmente, lhes afirmo: Ingenuidade. Esta proposta, segundo a Reforma Protestante, é o princípio no qual a Bíblia tem primazia ante a Tradição (numa clara crítica à tradição dos padres na teologia romana) legada pelo magistério da Igreja, quando, os princípios doutrinários entre esta e aquela forem conflitantes e não devemos nos fechar para toda e qualquer outra expressão de cultura e ciência que exista ou pagaremos o preço de nos tornarmos ultrapassados¹.

Mas de maneira bem objetiva, o MARXISMO (lembrando sempre que não podemos tratar esse pensamento como um monólito, pois há diversas expressões do marxismo, algumas que até poderia estar em oposição) não pode ser comparado à TMI pois essas duas instancias de pensamento tratam de temas distintos ainda que contenham algumas coincidências, como veremos no decorrer deste texto.

Congresso Internacional de Evangelização Lausanne — Suiça, 1974

Assim, alguns acusadores poderiam alegar que a TMI é uma maneira de encucar os valores do MARXISMO dentro das igrejas sem que os crentes percebam. Salvo toda teoria conspiratória da mentalidade de quem ainda não superou a guerra fria, ou como prefiro chamar, toda síndrome de Olavo de Carvalho, vamos supor que sim, que a teologia da missão integral está propagando valores do marxismo dentro da igreja protestante. Bem, como citamos a pouco, sobre a SOLA SCRIPTURA, é preciso que os valores marxistas que a TMI eventualmente propague, sejam TAMBÉM valores bíblicos, ou então, facilmente, qualquer teólogo iniciante poderia refuta-la, e é o que muitos dos opositores a esse tipo de teologia fazem, entretanto, invariavelmente, tropeçam criar suas criticas a partir de pressupostos políticos e econômicos, e muito raramente, bíblicos, mostrando que a questão a se debater, não é sobre teologia ou fé, mas a negação de uma ideologia politica, disfarçada de teologia. Vejamos alguns exemplos.

TMI não dá valor para o evangelismo:

MENTIRA. A Teologia da missão integral é defendida por homens e mulheres que defendem o evangelismo bíblico, o anuncio das boas novas de Cristo e o chamado ao arrependimento, o que não é defendido por essa teologia é o PROSELITISMO disfarçado de evangelismo, a COERÇÃO para mudança de atitudes e a ANIQUILAÇÃO das culturas locais.

Proselitismo nunca foi um valor bíblico, e desafio a qualquer um a achar esse valor, direta ou indiretamente escrito na bíblia em forma de ensinamento por parte de Cristo, os apostos ou os profetas. Igrejas inchadas não são sinônimo de reino estabelecido, como escutei de um grande amigo e mestre, “Tudo que é saudável cresce, mas nem tudo que cresce é saudável”. Hoje o que vemos em muitas igrejas é um crescimento desordenado que impossibilita a comunhão dos santos (um valor claramente bíblico) e transforma o discipulado em um grande aulão de cursinho pré vestibular, que não ensina, apenas faz os membros decorarem alguns versículos bíblicos e frases de efeito. Esse crescimento é fruto de uma igreja que se importa muito mais com seu status de INSTITUIÇÃO DE SUCESSO do que com a formação de uma comunidade de Seguidores de Cristo e para que as instituições tenham sucesso, um discipulado objetivo e pessoal (outro valor bíblico) se torna um problema e de modo amplo, a coerção pelo medo é a ferramenta mais eficaz de alcançar os objetivos. Com essa dinâmica, surgem figuras como Silas Malafaia, por exemplo, um homem enérgico e com posições firmes que bate no púlpito e esbraveja enquanto prega contra os “inimigos da fé cristã”.

Para o cidadão que não foi discipulado, esse homem é o simbolo de um líder forte que irá, de uma maneira ou de outra, resolver todos os problemas, pois tem influencia junto a Deus e pode contar com qualquer favor dEle. A violência simbólica que o discurso desse senhor é tamanha, que diante dela, quem acredita na existência de Deus, mas nunca teve a curiosidade de ler as palavras de Jesus Cristo, fica parado, e passa a obedecer sem pensar, replicando o discurso, fazendo-o chegar cada vez mais longe em seu avanço. Quando abrimos mão de pensar para puramente replicar o discurso de um líder, acabamos por ter tudo que somos em termos culturais, aniquilado, sem nenhuma brecha para diálogo. Você já teve a oportunidade de ver um programa evangélico da madrugada? Viu como todos os apresentadores falam imitando o líder? Pois então… Numa sociedade do medo, não há espaço para as diferenças, e quem se adapta melhor ao padrão passa a frente e ganha mais espaço, e assim em muitas igrejas evangélicas como foi em alguns regimes autoritários ao longo da historia.


TMI valoriza apenas o pobre enquanto o reino de Deus é para TODOS:

MENTIRA. O reino de Deus é para todos sim, pobre e ricos, que reconhecem o Cristo como filho de Deus e salvador da Terra, no entanto, esse reconhecimento, não é apenas uma palavra, mas um gesto de arrependimento que deve ser manifesto nas nossas atitudes diárias.

Cristo é ENFÁTICO em dizer que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu (Lucas 18:24–25). Na minha modesta opinião, Cristo não disse que ser pobre garantiria a qualquer um, a entrada no reino, a questão aqui, é apontar que a falta de misericórdia pelo empobrecido sim, é impeditivo deste acesso. É óbvio que a solução dos problemas econômicos do mundo não está resumido em dar esmolas para os pedintes no sinaleiro, no entanto, reconhecer a dor da fome, ainda que nunca tenha sentido e se mobilizar de alguma forma para sana-la, é um valor, incontestavelmente, bíblico, seja na ação imediata de dar comida ou dinheiro, seja na articulação politica para reivindicar direitos básicos para a população carente e é justamente nesse segundo ponto que alguns vão ficar de orelha em pé com a TMI. Não é honesto afirmar que Cristo nos orienta a fazer articulação política, entretanto, também não é honesto dizer que há alguma proibição nessa área, logo, não havendo SIM ou NÃO objetivo, cabe a analise de cada cristão fazer ou não, tendo sempre a bíblia como parâmetro para suas decisões. Algumas pessoas ligadas à TMI terão inclinações a esse tipo de postura, mas não é uma regra ou doutrina dessa teologia. Algumas pessoas, NÃO LIGADAS à essa teologia também estão inclinados a articulações politicas, como verificamos na influentíssima BANCADA EVANGÉLICA, que é composta por pastores e religiosos, os quais, NENHUM está ligado à teologia da missão integral e também nenhum é marxista. Ou seja, a articulação politica de alguns cristãos da TMI não é prova suficiente para associar a teologia da missão integral ao marxismo, ou mesmo que a articulação politica seja, em si mesma, um pecado que inviabilize quem a pratica, de ser cristão, se é que existe tal pecado¹.

Tomando a biblia como referencia, para denunciar o mau uso dos recursos e as injustiças de toda natureza

Ainda falando em pecados ou atitudes que são contraditórios ao cristianismo, há quem julgue que a TMI tem muitos integrantes que são também assumidamente MARXISTAS, e é incompatível uma pessoas ser, ao mesmo tempo, CRISTÃO e MARXISTA, pois esta é uma doutrina ateísta:

VERDADE e MENTIRA. Com certeza existem muitos marxistas das mais variadas correntes que são, TAMBÉM, cristãos, (percebeu o “TAMBÉM”? pois é, já desvinculamos uma coisa da outra né) mas não posso concordar que seja incompatível ser CRISTÃO e MARXISTA ao mesmo tempo.

Muito equivocadamente, algumas pessoas, por pouco acesso a educação formal ou por falta de vontade, não tiveram a oportunidade de se reclinar sobre a obra de Marx para conhece-la. Não é uma coleção tão simples que qualquer um, num primeira leitura possa sanar todas as dúvidas. Ao longo de sua vida, Marx escreveu muito e todas as suas ideias registradas e compiladas em uma serie de escritos, dão origem aos MARXISTAS, que são, nada mais nada menos do que aqueles que concordam com as suas ideias e tentam coloca-las em prática.

Essas pessoas não são replicas do Marx, como os apresentadores dos programas evangélicos o são de seus lideres, cada uma lê sua obra a partir de sua realidade, seus pressupostos, numa construção ideológica que não surge do nada (lembra que falamos lá no inicio?) e assim, o marxismo incorre em varias frentes, como a social-democracia e o Bolchevismo, para citar apenas dois. Cada uma das muitas frentes irá ter um foco principal de acordo com as demandas da sociedade onde florescem, e naturalmente, numa sociedade onde as instituições religiosas são inimigas dos valores defendidos por este marxismo, naturalmente, este marxismo será contrário à elas. Agora convenhamos, ao longo da historia, você sabe que, em muitos momentos, a igreja foi ferramenta de opressão de classes como os negros, os judeus, os islâmicos, os negros, os ciganos, outras expressões do cristianismo, etc…

Mas em outras realidades, a igreja acolheu gente que, motivada pelo cristianismo que professava, abraçou a causa do oprimido e o defendeu, lutou com unhas e dentes para que o pobre não fosse esmagado pelo rico, que a mulher não fosse esmagada pelo magista, que o negro não fosse esmagado pelo racista,, em geral, por conta do cristianismo abraçou a causa da defesa do oprimido. Ao observar isso qualquer marxista não pode ir contra o cristão, comprometendo sua própria causa. Havendo coincidência entre a luta dos dois grupos, ainda que a motivação fundamental não fosse a mesma, naturalmente, se uniam e é nesse cenário que surgem os CRISTÃOS MARXISTAS, ou MARXISTAS CRISTÃOS, gente que tem os ideais marxistas e teve uma experiencia com o divino, reconhecendo Cristo como senhor e salvador.

Cristo é claro ao afirmar que o fundamental é “Amar a Deus sobre todas as coisas (…) e ao próximo como a si mesmo” (Mt 22,34–40) o resto, convenhamos, é RESTO. Toda regra diferente dessa tem que responder essas duas perguntas. Se o Cristão Marxista, em suas atividades politicas e particulares, consegue, dentro de suas limitações, responder assertivamente a essas duas questões, o que seria impeditivo para que ele seja, CRISTÃO e MARXISTA? Sendo ele ligado à TMI ou não! Aparentemente, nada, na minha opinião, impediria um cristão ser marxista ou um marxista se tornar cristão, a não ser que, rompendo novamente com a SOLA SCRIPTURA, coloquemos valores dos nossos usos e costumes em igualdade à palavra de Deus.

Bem, isso me leva a acreditar que o problema não é a TMI ser MARXISMO (pois não é) e muito menos o fato de vários adeptos da TMI serem tambem marxistas. A questão chave está em que a TMI é uma maneira de pensar o divino e a relação da humanidade com Deus a partir de valores que colocam em risco a estabilidade de determinados principados religiosos constituidos no Brasil.

Pregando abertamente contra a injustiça, e contra TODO TIPO DE INJUSTIÇA, muitos generais evangélicos neo-pentecostais, pentecostais e históricos, que constituiram todo um ministério sob uma liderança opressora, se sentem acuados diante da possibilidade de suas “ovelhas” debandarem do curral, levando com sigo dízimos e influencia politica, pois qual o politico que teria interesse em se associar a um pastor que não tem poder?

Ao associar o discurso pela JUSTIÇA da TMI ao um suposto marxismo-evangélico, esses generais só colocam pra fora todo o preconceito e elitismo que carregam em si, pois não há quem possa negar que Jesus foi um vetor de JUSTIÇA na terra e que não teve interesse em poder politico diante de homens.

O medo desses homens e mulheres não é a corrupção da sã doutrina, pois se assim fosse, suas criticas seriam de natureza biblica, mas invariavelmente, se concentram em acusações mediocres de quem se quer teve o cuidado de ler os teóricos da TMI e os MARXISTAS para compara-los, pois se o fizessem teriam uma dura surpresa. Não há marxismo na TMI por que esta teologia não passa de uma leitura honesta da bíblia, e uma preocupação honesta com o próximo para adorar a Deus, mas não apenas replicando o discurso medieval de salvação da alma, mas o compromisso da TMI é levar “o evangelho todo, para o homem todo para todos os homens”, Não limitar nenhuma verdade bíblica por conta de nossas culturais individuais, e não oprimir ninguém de uma cultura diferente, se preocupando com todos os aspectos da vida do objeto de evangelismo, espiritual, fisico, emocional e social, sem restringir quem possa ser tocado pelo evangelho por cor, raça, renda, gênero, preferencia sexual, etc.

A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL só assusta quem, acreditando que colocou uma coleira em Deus, esquece que é dele, por ele e para ele, a nossa existência e o nosso proceder, e que se chamamos Deus de pai, não podemos mais escolher quem serão nossos irmãos, cada homem e mulher não situação que for, reconhecendo a cristo como seu senhor e salvador, é nosso irmão, e por fim, que a Terra nos foi dada para que a cuidemos, como mordomos fieis, no objetivo de transformar esse campo de guerra com soldados atirando para todos os lados, novamente num jardim, com irmãos que o cultivam.

Que Deus nos perdoe e nos ajude.


1. (Obviamente cabem criticas a essa minha afirmação, as quais, com gosto, responderei noutra oportunidade, caso haja necessidade)

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